São Paulo, sábado, 02 de agosto de 2008

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Crítica/"O Vencedor Está Só"

Autor deixa sabedoria árabe e auto-ajuda para escrever thriller sobre celebridades

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Quem gosta dos livros de Paulo Coelho provavelmente não se interessa por resenhas rabugentas. Quanto aos que não gostam, devem estar cansados de críticas repetindo o que se sabe. A sorte é que "O Vencedor Está Só" ajuda um pouco o resenhista a fugir dessa situação. Sem insistir demais em sabedoria árabe e auto-ajuda, Paulo Coelho escreveu um thriller sobre o mundo das celebridades, coisa que afinal conhece. A ação se passa durante um único dia, em pleno Festival de Cannes; aspirantes a modelo, distribuidores, atores, seguranças e magnatas se cruzam num ambiente de luxo desbragado e profissionalismo atroz, cuja futilidade o romancista se propõe a desmascarar. O foco narrativo se alterna a cada capítulo, mas o personagem principal da trama é um milionário russo, um "católico ortodoxo", na qualificação algo bizarra do autor. Tal fé não impede suas disposições assassinas. Igor -este o nome do protagonista- aparece em Cannes com um arsenal de dar inveja a 007 e o minucioso plano de tornar-se um serial killer, como Jack o Estripador. Ou, em mais uma qualificação bizarra de Paulo Coelho, como Adolf Eichmann. Felizmente, Igor não precisará de tantos assassinatos quanto os seis milhões organizados pelo genocida nazista para buscar seu objetivo: o de mandar uma "mensagem" à mulher que o abandonou. Diga-se que a lógica do estratagema de Igor é em todo caso mais clara do que a exposição de seus conflitos interiores. Seja como for, este romance tem muita ação, e não é tarefa impossível sobreviver aos clichês que comparecem a cada capítulo e ao desajeitamento sintático de inúmeros parágrafos. Menos edificante do que seria de esperar, "O Vencedor Está Só" também tem a seu favor o fato de mostrar, com algum detalhe didático, como funcionam os esquemas da lavagem de dinheiro, da organização de eventos glamurosos, do tráfico de diamantes e da produção cinematográfica. O didatismo às vezes é exagerado: Coelho (nenhum parentesco com o autor desta resenha) explica o que é anorexia, o que é curare, o que é um desfibrilador cardíaco. Mas também informa que os jamaicanos têm fama de serem imbatíveis no sexo, e que em vez de cigarros de maconha os antenados agora consomem o seu princípio ativo, o THC, misturado com óleo de gergelim. O olhar aparentemente desencantado que Paulo Coelho dirige ao mundo das celebridades contrasta com a convicção, quase transparente nas suas frases, de que o sucesso é conseqüência, sobretudo, de esforço honesto e dedicação profissional. Pode-se reagir com alguma incredulidade a assertivas desse tipo; mas Paulo Coelho já se mostrou capaz de despertar incredulidades bem mais intensas do que nesta sua, digamos, nova encadernação.

O VENCEDOR ESTÁ SÓ
Autor: Paulo Coelho
Editora: Agir
Quanto: R$ 39,90 (400 págs.)
Avaliação: regular



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