|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"O Vencedor Está Só"
Autor deixa sabedoria árabe e auto-ajuda para escrever thriller sobre celebridades
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Quem gosta dos livros de
Paulo Coelho provavelmente não se interessa por resenhas rabugentas.
Quanto aos que não gostam,
devem estar cansados de críticas repetindo o que se sabe.
A sorte é que "O Vencedor
Está Só" ajuda um pouco o resenhista a fugir dessa situação.
Sem insistir demais em sabedoria árabe e auto-ajuda, Paulo
Coelho escreveu um thriller sobre o mundo das celebridades,
coisa que afinal conhece.
A ação se passa durante um
único dia, em pleno Festival de
Cannes; aspirantes a modelo,
distribuidores, atores, seguranças e magnatas se cruzam num
ambiente de luxo desbragado e
profissionalismo atroz, cuja futilidade o romancista se propõe
a desmascarar. O foco narrativo
se alterna a cada capítulo, mas o
personagem principal da trama
é um milionário russo, um "católico ortodoxo", na qualificação algo bizarra do autor. Tal fé
não impede suas disposições
assassinas.
Igor -este o nome do protagonista- aparece em Cannes
com um arsenal de dar inveja a
007 e o minucioso plano de tornar-se um serial killer, como
Jack o Estripador. Ou, em mais
uma qualificação bizarra de
Paulo Coelho, como Adolf
Eichmann. Felizmente, Igor
não precisará de tantos assassinatos quanto os seis milhões
organizados pelo genocida nazista para buscar seu objetivo: o
de mandar uma "mensagem" à
mulher que o abandonou. Diga-se que a lógica do estratagema
de Igor é em todo caso mais clara do que a exposição de seus
conflitos interiores.
Seja como for, este romance
tem muita ação, e não é tarefa
impossível sobreviver aos clichês que comparecem a cada
capítulo e ao desajeitamento
sintático de inúmeros parágrafos. Menos edificante do que
seria de esperar, "O Vencedor
Está Só" também tem a seu favor o fato de mostrar, com algum detalhe didático, como
funcionam os esquemas da lavagem de dinheiro, da organização de eventos glamurosos,
do tráfico de diamantes e da
produção cinematográfica.
O didatismo às vezes é exagerado: Coelho (nenhum parentesco com o autor desta resenha) explica o que é anorexia, o
que é curare, o que é um desfibrilador cardíaco. Mas também
informa que os jamaicanos têm
fama de serem imbatíveis no
sexo, e que em vez de cigarros
de maconha os antenados agora consomem o seu princípio
ativo, o THC, misturado com
óleo de gergelim.
O olhar aparentemente desencantado que Paulo Coelho
dirige ao mundo das celebridades contrasta com a convicção,
quase transparente nas suas
frases, de que o sucesso é conseqüência, sobretudo, de esforço honesto e dedicação profissional. Pode-se reagir com alguma incredulidade a assertivas desse tipo; mas Paulo Coelho já se mostrou capaz de despertar incredulidades bem
mais intensas do que nesta sua,
digamos, nova encadernação.
O VENCEDOR ESTÁ SÓ
Autor: Paulo Coelho
Editora: Agir
Quanto: R$ 39,90 (400 págs.)
Avaliação: regular
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Crítica/"O Livro das Emoções": João Almino reencontra a Brasília moderna e arcaica Índice
|