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Crítica/"O Livro das Emoções"
João Almino reencontra a Brasília moderna e arcaica
Capital volta a ser tema de autor e diplomata em romance narrado em primeira pessoa
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
João Almino é diplomata
e escritor. Como tal, incorpora-se a uma ilustre
tradição que inclui, entre outros, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Antero de
Quental, Eça de Queiroz, em
Portugal; e, no Brasil, Guimarães Rosa, João Cabral, Sergio
Paulo Rouanet, Alberto da Costa e Silva, Affonso Arinos de
Mello Franco.
Diplomatas em geral têm
uma ampla visão do mundo, ao
qual acrescentam, no caso brasileiro, a vivência de Brasília,
que, por sua curta história, ainda não se transformou num cenário preferencial para a ficção
brasileira, como acontece com
Rio de Janeiro, São Paulo ou
Salvador.
Mas não resta dúvida de
que a capital federal representa
um desafio para os escritores:
ela é a expressão política e
geográfica de um processo modernista que se traduz na arrojada e controversa arquitetura;
é a síntese das etnias brasileiras; é uma cultura sem raízes
no passado e, portanto, original
(como identificar o sotaque
brasiliense?); e é o lugar no país
em que mais se encontram
estrangeiros.
Foi essa vivência que motivou o ficcionista João Almino a
escrever a sua Trilogia de Brasília, integrada pelos romances
"Idéias para Onde Passar o Fim
do Mundo" (1987) -indicado
ao Prêmio Jabuti e ganhador de
prêmio do Instituto Nacional
do Livro e do Prêmio Candango
de Literatura-, "Samba-Enredo" (1994) e "As Cinco Estações
do Amor", este vencedor do
prêmio Casa de las Américas
em 2003.
Para Almino, Brasília é a síntese do país, uma mistura de
moderno e de arcaico, um cadinho de nossas múltiplas identidades. Uma fonte inesgotável
de inspiração, portanto, e não é
de admirar que a trilogia tenha
evoluído para um quarteto, o
que acontece agora com "O Livro das Emoções" (Record).
O romance é narrado em primeira pessoa pelo principal
personagem, Cadu, um fotógrafo cego, empenhado em editar uma espécie de diário fotográfico que receberá o nome de
"O Livro das Emoções". Entre
parênteses, essa melancólica e
intrigante combinação, cegueira e fotografia, é bem mais
freqüente do que se poderia
imaginar e remete a nomes
conhecidos como os de Evgen
Bavcar, Alison Bartlett e
Edoardo Piccinini.
João Almino, que aliás também é fotógrafo, transforma as
fotos que nem o personagem
nem o leitor podem ver em
ponto de partida para a narrativa. O resultado é uma espécie
de álbum fotográfico, uma coleção de diferentes retratos, cada
um representando um personagem e uma história.
Altman
No prefácio, Alcir Pécora
compara o estilo de João Almino ao do cineasta Robert Altman (1925-2006), e, de fato, como nos filmes de Altman, o foco
narrativo vai "passeando" entre os personagens, compondo
um painel (ou um álbum fotográfico): o amigo Maurício, as
mulheres com quem Cadu vive,
Joana e Aída, Eduardo Kaufman, nêmese de Cadu, deputado envolvido em política e negociatas. Pessoas que retratam
a classe média brasileira do século 21.
"Toda fotografia é prova de
um encontro, às vezes marcado, às vezes fortuito", escreve
João Almino ao final do romance. De encontros marcados e
encontros fortuitos são feitas
as nossas vidas e a história do
país em que vivemos.
No caso do Brasil os inexoráveis encontros marcados resultam de um passado elitista e autoritário; os encontros fortuitos são proporcionados pelas
inesperadas mudanças que
ocorrem em nosso mundo, como estamos vendo no presente
momento, em que o Brasil de
repente aparece como potência
emergente.
João Almino soube captar
ambos os tipos de encontros. E
isso faz de "O Livro das Emoções" uma bela expressão da
nova literatura brasileira.
O LIVRO DAS EMOÇÕES
Autor: João Almino
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (256 págs.)
Avaliação: ótimo
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