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crítica
Colombiana usa loucura para retratar país
VIVIEN LANDO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O
transtorno delirante
é um mal de cabeça
com vasta sintomatologia e inúmeras variantes.
O paciente delira, sim, mas
cada um à sua maneira intransferível. Há ataques de
esquizofrenia em que o cidadão vê o cérebro sair da cabeça, dar uma voltinha, chocar-se contra a parede e voltar
para o lugar de origem. O importante é que o doente não
só visualiza, como sente na
carne toda a trajetória dos
miolos.
Já o paranóico sofistica:
encontra perseguição em toda parte, mas "normalmente" elege um vilão causador
de todos os cataclismos do
planeta e os
seus pessoais.
De preferência alguém
bem próximo
-o pai o filho,
a mulher, o
marido etc.
Mas também
vê coisas, como uma sala
inteiramente
arrombada
pelos vizinhos, cheia de
objetos estranhos colocados ali pelos
mesmos. Se
alguém chegar ao local
vai se deparar
com a mesma
sala de sempre, mas isso
não tem a menor importância para o acometido pelo delírio. Pois os loucos costumam ser autoritários, egoístas, irresponsáveis. Além de
profundamente infelizes.
Agustina Londoño surtou
de repente, num quarto de
hotel, onde o marido a encontrou oscilando entre a catatonia e a fúria. A partir daquele momento coube a ele,
Aguilar, decifrar de onde
veio tamanho desequilíbrio.
A escritora colombiana Laura Restrepo optou por caminhos tão tortuosos quanto a
própria doença mental para
tentar solucionar um enigma
quase sem resposta. Suas
personagens derramam-se
em torrentes de monólogos
confessionais, juntando os
pedaços podres da vida de
Agustina -os pais em via de
separação diante do adultério com a tia, o delicado irmão mais moço que um dia
se revolta contra o pai e deflagra uma catástrofe, o ex-namorado enfiado até o pescoço na lavagem de dinheiro
do tráfico de drogas, o avô
alemão que pira pela nostalgia do Reno e por aí afora. Ou
seja, uma vida normal, que
não justifica o descalabro de
ninguém -nem mesmo o dela.
Acontece que esta cachoeira de idéias angustiantes embaladas em frases primorosas e com enorme economia
de parágrafos (como aliás
tem sido o recorrente estilo
dos escritores contemporâneos, parece que ninguém
mais gosta de parágrafos,
nem de respirar) pode enlouquecer o leitor. Como comer
caviar todos os dias. É uma
overdose, tão familiar àquele
país de cartéis de Medellín,
Farc e reféns. O livro foi escrito em 2004, no auge da
convergência de tantos problemas, o que certamente
imbuiu a engajada autora.
Em "A Noiva Escura", de
1999, seu
único outro
romance publicado no
Brasil, o formato é bem
mais tradicional e a
aflição de
existir menos presente.
Premiada
com o Alfaguara e o
Prix de
France, Laura Restrepo,
58 anos, por
pouco consegue concluir um
imenso retrato de seu
país, de nosso continente e da alma humana ao mesmo tempo, tudo
isso visto principalmente
através dos olhos perplexos
de um homem apaixonado
pela mulher que a loucura
tragou. O qual pode ser o
mesmo olhar de uma população atônita diante da corrupção que a permeia. Ou qualquer outra metáfora pertinente.
E, mesmo sem ter chegado
lá em proposta tão grandiloqüente, "Delírio" oferece a
poesia dos melhores momentos do realismo fantástico latino-americano, aliada à
premência seca que os tempos atuais exigem.
VIVIEN LANDO é diretora cênica de ópera e
escritora
DELÍRIO
Autora: Laura Restrepo
Tradução: Rosa Freire d'Aguiar
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 42 (296 págs.)
Avaliação: bom
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