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Coletânea de polêmicas, "Mulheres Apaixonadas" é um marco na tradicional estratégia das novelas de gerar discussão para garantir sucesso de audiência
Estética da encrenca
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
CLÁUDIA CROITOR
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DO RIO
Não basta estar nas revistas de
fofoca, nos programas de besteirol vespertinos da TV e ser assunto no café da manhã, almoço e
jantar dos telespectadores. Novela
de sucesso que se preze vira tema
de discussão na prefeitura, no
Congresso, no governo, na igreja.
A atual novela das oito, "Mulheres Apaixonadas", é um marco na
"estética da polêmica". Desta vez,
o autor, Manoel Carlos, polêmico
de longa data, não perdeu a chance de plantar a semente da repercussão, por mais coadjuvante que
pudesse ser o personagem.
Exemplo claro é a família de
Carlão (Marcos Caruso). Fora do
núcleo central, a casa vive num
eterno barulho. O filho, virgem, já
falou sobre masturbação. A filha
maltrata os avós, que têm dúvida
se devem ou não morar num asilo. Já apanhou do pai de cinta.
E isso não é nada perto do casal
teen de lésbicas, do padre apaixonado por uma socialite, do marido espancador, da professora que
quer namorar um aluno menor...
Tanto assunto transbordou o
simples bate-papo de telespectador. Por um lado, o Ministério
Público reclassificou a novela para as 21h e a Prefeitura do Rio dificultou a gravação de uma cena de
morte por bala perdida. Por outro, gerou no Congresso discussão sobre direitos dos idosos e
ampliou o número de mulheres
em grupos anônimos de ajuda.
E, no Ibope, o resultado não poderia ser diferente: na semana
passada, "Mulheres" bateu recorde, com 55 pontos de média (mais
de 2,6 milhões de domicílios só na
Grande SP). Manoel Carlos, 70,
não entrou ontem nessa escola.
Sua primeira "aula" foi como colaborador de Gilberto Braga, em
"Água Viva" (1980). A novela, estréia dele em horário nobre, teve
topless, um escândalo na época.
Em "Laços de Família", o autor
também foi "rei" da notícia. A
Justiça proibiu a participação de
menores, a igreja não liberou paróquias para a cena de um casamento em que a noiva estava grávida, e a novela ganhou prêmio
por abordar a doação de medula.
Batizadas de merchandising social, as ações "instrutivas" agradam a audiência. A prevenção ao
câncer de mama, tratada em
"Mulheres", já foi abordada em
outra de Manoel Carlos, "História
de Amor" (96), gerando procura
por exames preventivos.
Para o autor, as polêmicas são
necessárias ao sucesso e sustentam a longa duração das novelas.
"São mais de 200 capítulos. Se
considerarmos que cada capítulo
tem um mínimo de 25 cenas, serão 5.000 a serem criadas."
Ele diz que, ao elaborar a história, tem idéia da repercussão que
causará. "Procuro pensar em tudo, já que uma novela precisa de
muitos ingredientes para decolar.
Uma boa história exige uma pitada de vários condimentos."
Num ramo diferente da "estética da encrenca" está Carlos Lombardi, de "Kubanacan". A atual
novela das sete está na mira do
Ministério da Justiça, que vê excesso de violência e sexo na história. Problema semelhante teve a
trama anterior do autor, "Uga
Uga", exibida na mesma época de
"Laços". A Globo afirma que as
novelas são adequadas ao horário. E Lombardi, que não cria "polêmica alguma junto ao público.
Quem cria é a mídia". E a fórmula
dá certo: as duas novelas são sucesso de ibope. "Kubanacan" bateu 40 pontos de média nacional.
A "escola da polêmica" já mexeu com eleições e até com a lei do
divórcio. Em 1978, a
questão "Quem matou Salomão
Ayala?", de "O Astro", "parou" o
país. Após o fim da trama, Carlos
Drummond de Andrade escreveu: "Agora que "O Astro" acabou
vamos cuidar da vida, que o Brasil
está lá fora esperando". Vamos?
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