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FESTA LITERÁRIA DE PARATI
Patrícia Melo talha o ciúme e a autodestruição de um maestro em "Valsa Negra"
Sinfonia do adeus
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A PARATI
O casario colonial de Parati vai
escutar neste domingo os ecos da
primeira audição de uma valsa
perturbadora e triste. Nessa melodia, não há nada de "Danúbio
Azul", de dois-pra-lá-dois-pra-cá,
do papel rosa e lírico dos bombons Sonho de Valsa.
Em sua participação na Festa Literária Internacional de Parati,
que termina hoje, a escritora paulista Patrícia Melo traz a público
pela primeira vez trechos de seu
romance "Valsa Negra" (Companhia das Letras), a história de um
grande ciúme protagonizada por
um maestro.
Com seu quinto romance, Patrícia Melo, 41, chega a seu trabalho
menos Patrícia Melo. Escritora
que ganhou destaque na literatura
brasileira (e em inusuais 16 países) com uma prosa talhada com
uma narrativa cinematográfica,
estocada de crimes e violências
variadas, ela desacelera os cortes
brutos de sua prosa e deixa de lado pela primeira vez as "mortes
matadas".
Mas ainda que discretamente, o
romance ambientado no universo da música clássica, e não nos
becos infectos de "Inferno" e "O
Matador" (que teve sua adaptação para o cinema, "O Homem do
Ano", recém-lançada), também
traz a marca da maldade, a "visão
negra" que Melo, em entrevista à
Folha, diz enxergar no que faz.
Leia a seguir trechos da conversa.
Folha - O "Dicionário das Escritoras Brasileiras" de Nelly Novaes
Coelho classifica você como uma
Sherazade às avessas, que "no lugar de revelar o lado maravilhoso
da vida humana revela o lado terrível". De onde vem esse pessimismo, que também está em "Valsa
Negra"?
Patrícia Melo - De uma certa forma, sou mesmo pessimista em relação à idéia de progresso da humanidade. Lembro-me sempre
do escritor argentino Ernesto Sábato, que quando lhe perguntavam por que abandonara a ciência para fazer literatura dizia:
"Porque a ciência tem uma capacidade de evolução, de progresso
fabulosa, mas não adianta nada,
porque não há progresso no coração humano". Tenho um pouco
essa sensação, de que a humanidade é um caso perdido, de que o
poder de construção do ser humano é igual ao seu poder de destruição. Minha literatura tem um
pouco dessa visão negra.
Folha - Ao longo do livro você fala
que os maestros são solitários, que
é a profissão melhor para fingir e
que eles têm que lidar com a perfídia. Qual dessas características te
fez escolher um maestro para ser o
protagonista dessa história?
Melo - A escolha do perfil do
personagem tem que atender ao
conteúdo dramático da história.
Esse livro é essencialmente sobre
ciúmes e autodestruição, e a idéia
de um maestro é exatamente a de
uma figura com esse sentimento
de posse. Ele é uma figura um
pouco autista, de um mundo paralelo, às vezes autoritário. Uma
orquestra talvez seja um dos poucos espaços da arte onde a hierarquia realmente importa.
Folha - No final de "Valsa Negra",
você faz agradecimentos ao pianista Arnaldo Cohen e ao maestro Roberto Minczuk. O personagem não
foi inspirado em John Neschling?
Melo - A Osesp [Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo] foi
muito importante para mim, e o
Neschling (seu regente) também.
Ele me deu muita informação
musical. Ele é um maestro que
tem esse perfil que eu falei, de
muita liderança e domínio total
da orquestra. Na convivência com
ele, entendi um pouco o que é essa
loucura do maestro, a posição solitária que fica o maestro, entre os
músicos e a interpretação que ele
busca.
Folha - "Valsa Negra" é conduzido pela loucura do seu protagonista. A loucura, o inferno de cada um,
sempre esteve nos seus livros. Você
enxerga elementos comuns em sua
ficção?
Melo - Algumas coisas estão
sempre presentes, sim. Primeiro,
uma atitude de espanto diante da
morte. "Acqua Toffana" é um livro sobre crueldade. "Matador" é
sobre a banalização da maldade.
"O Elogio da Mentira" trata da falência artística. "O Inferno", da
exclusão social. O tema sempre
passa pela indignação com a idéia
da finitude das coisas.
Folha - A revista "Time" fez há
quatro anos um mapa das lideranças do próximo milênio na América
Latina e incluiu você, que era chamada ali de uma autora de romances policiais que abriram as portas
para a literatura pop. O que você
acha de ser chamada de uma autora pop?
Melo - Acho que o rótulo pop
tem muita relação com minha ligação com o cinema. Minha literatura é bem imagética e tem um
ritmo narrativo bastante vertiginoso. Quanto ao romance policial, eu acho que é incompreensão
da crítica literária no Brasil. O romance policial sempre precisou
da cidade para existir. Surge de
patologias urbanas, como a violência, a diferença social, a fome.
O Brasil só foi ter uma realidade
urbana tardiamente, depois dos
anos 60. Não temos tradição de
romance policial. Assim, qualquer escritor que trate de patologias urbanas e que adote a questão da violência é automaticamente rotulado como policial.
Não me considero nem pop nem
escritora policial.
Folha - Você falou da relação com
o cinema, mas "Valsa" não é muito
cinematográfico, não?
Melo - Acho que é o menos de
todos. Eu quis fugir disso. O estilo
é a morte do escritor. A partir do
momento que você sente que há
um perigo de estilo, há também
um perigo artístico.
Folha - Quando lançou "Matador", você disse que para a verdade
parecer verossímil adicionou muita
mentira. Até que ponto "Valsa Negra" também "elogia a mentira"?
Melo - A diferença fundamental
entre a ficção e a realidade é que
não exigimos da realidade nenhuma coerência. Mas como leitores
pedimos coerência total na ficção.
Faço muita pesquisa para não falar bobagem. Mas a pesquisa é perigosa também, deve ser usada
homeopaticamente.
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