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Dentro da programação de hoje, autor gaúcho fala sobre a história da cidade
Vacas magras foram ouro para Parati
Tuca Vieira/Folha Imagem
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A Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, na praça da Matriz de Parati; cidade sedia festival internacional de literatura até hoje |
EDUARDO BUENO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Ouro ! Ouro!", gritariam
histéricos os operadores
da Bolsa de Valores, se a Parati
dos séculos 17 e 18 fosse palco de
um dos enervantes pregões que
aparecem nos telejornais de hoje,
e depois "Café! Café!"; e entre um
e outro, "Diamantes!"; e, desde
sempre, "Escravos! Escravos!"
(nativos ou importados).
"Piratas!" também era grito que
ecoaria com frequência, só que,
nesse caso, não para anunciar a
chegada de mais uma mercadoria, mas o desembarque dos que
estavam dispostos a simplificar as
complexidades do mercado e eliminar (literalmente) os intermediários.
Embora desde o início tenha sido ponto de escalas e de encontros (e de encantos), Parati felizmente sempre foi mais que mero
porto de escambo. A cidade, com
certeza, teve muitos negócios e
muitos negociantes. Só que viu girar tantas vezes a roda da fortuna,
ora Caminho de Serra Acima, ora
Caminho da Serra Abaixo, que
adquiriu conhecimento da noção
budista da impermanência. Nesse
mundo fugaz, tudo é passageiro e
nem tudo o que reluz é ouro.
A Parati dos caras-pálidas surgiu, todo mundo sabe, no aluvião
do ciclo do ouro das Gerais -durante a Colônia. O "fulvo metal",
arrancado das entranhas da terra,
descia a serra no lombo das mulas
e, da pedra do porto de Parati, seguia para fazer o fausto das nações além-mar.
Mas a febre do ouro -a "auri
sacra flames"- durou o que tinha de durar e só deixou sequelas
e lembranças nos tolos de cá e nos
ricos de lá. Mais tarde, a modo de
sobremesa, Parati ainda veria a
eclosão do ciclo do café intoxicando os novos barões com outra miragem de lucro fácil.
A bebida, que dizia "dar espírito
aos que não o tem", também passava pelo porto de Parati antes de
saciar o vício de poetas franceses,
caubóis americanos e banqueiros
ingleses. Mas a amarga "semente
do progresso", o "ouro verde" do
Brasil, também logo deixou de
vingar.
Por doce ironia, foram os períodos de vacas magras que levaram
Parati a redescobrir sua real natureza. A estagnação e a decadência
pós-ciclos do ouro e do café acabaram se revelando uma bênção
para a cidade. Parati ficou congelada sob o sol dos trópicos, com
seus casarões gotejando um suor
de pedras carcomidas.
As ruelas de lajes silenciosas, estreitas como cicatrizes, não ecoavam mais o tropel das tropas. O
caminho do ouro, o caminho dos
tropeiros, o caminho sem marcas
das águas, o caminho de ferro, o
caminho de asfalto, o descaminho
dos homens -todos deixaram
Parati sentada à beira do caminho.
Foi como se a cidade relembrasse então sua vocação original: afinal, ali fora a estância de férias dos
índios Guaianá, habitantes originais dos Campos de Piratininga
(depois rebatizados de São Paulo), que desciam ao mar de Parati
pela fama de suas águas milagrosas e seus cardumes de piratis (espécie de tainha).
Transformada em monumento
histórico em 1945 e tombada como monumento nacional em
1966, Parati se redescobriu, longe
do comércio e dos comerciantes.
Tudo bem que outros problemas
começaram tão logo um novo caminho, dessa vez a rodovia Rio-Santos, trouxe novas levas de forasteiros ao vilarejo.
Mas então a Parati dos quintos,
dos cantos e dos ranchos já havia
se tornado a Parati de segunda à
sexta. A Parati dos traços requintados e dos textos finos de Tom e
Thereza Maia. A Parati do paciente garimpo arqueólogico de Marcos Caetano Ribas, o "redescobridor" do Caminho do Ouro. A Parati dos sonhos coloridos dos hippies pré-BR.
E agora, após tantos altos e tantos baixos, Parati estava pronta
para se tornar um paraíso de letras, e elas não são de câmbio!
Saudemos, pois, o advento da Parati que não é VIP: é FLIP. A Parati de Liz Calder e de Flávio Pinheiro é também a Parati de Hobsbawm, de DeLillo, de Julian Barnes e de nós outros. Sim, Parati
para nós, Parati para todos. Parati
para frente. Parati para sempre.
Eduardo Bueno, 44, é jornalista e escritor, autor de "A Viagem do Descobrimento", entre outros livros
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