São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Crítica/ "Capote" e "A Sangue Frio"

Filmes usam escritor como matéria-prima

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há um momento em "Capote" em que um policial pergunta ao escritor norte-americano se o título do livro que está escrevendo sobre o assassinato de uma família do Kansas ("A Sangue Frio") se refere ao crime propriamente dito ou ao fato de ele ter ficado amigo dos assassinos por interesse. Ou seja, para que estes lhe contassem uma história que, transposta para o papel, o celebrizaria.
O filme de Benett Miller, que chega agora ao DVD, é uma tentativa de investigar Truman Capote (1924-1984) a partir desse dilema ético. Desde o momento em que o autor leu, no "New York Times", a notícia da misteriosa e sangrenta morte dos Clutter até a execução dos criminosos, sua mente havia sido tomada por uma vertiginosa inspiração, que o levara a escrever um clássico do chamado "new journalism", "A Sangue Frio" (1966).
Só que o preço a pagar por esse romance revolucionário, uma espécie de "thriller informativo", foi alto desde o princípio. Ao mesmo tempo em que sabia estar diante do momento mais brilhante de sua obra, esta se via comprometida porque ele havia se aproximado demais dos assassinos.
Apoiado pela atuação vencedora do Oscar de Philip Seymour Hoffman, o filme acaba "inocentando" Capote, por meio de uma leitura demasiado emocional de suas decisões. Essa opção sentimentalóide compromete a produção, que, ainda assim, ilustra bem o ambiente jornalístico-literário de Nova York nos anos 50/60.
O DVD traz um interessante, ainda que por demais laudatório, documentário sobre o autor de "Bonequinha de Luxo" e "Música para Camaleões". E, para quem acha que a interpretação de Hoffman forçou demais os modos afetados de Capote, imagens do mesmo durante entrevistas mostram que não houve exagero e só reforçam o mérito do ator. Também disponível em DVD (sem extras), "A Sangue Frio", adaptação do livro para as telas por Richard Brooks, de 1967.
Aqui, Capote e seus dramas pouco importam. O filme é uma tentativa de transpor, da maneira mais literal possível, os fatos relacionados ao crime, apoiando-se no conteúdo do romance.
Na medida do possível, a produção consegue manter o suspense do texto, assim como reforça habilmente os aspectos sombrios das trajetórias de cada assassino. Mas a tentativa de ser fiel demais à história é, também, seu maior pecado. "A Sangue Frio", o livro, é uma obra única e qualquer tentativa de tirá-la de seu formato original parece fadada a gerar um produto imperfeito.


CAPOTE    
Direção: Bennett Miller
Distribuidora: Sony

A SANGUE FRIO    
Direção: Richard Brooks
Distribuidora: Sony


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