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GASTRONOMIA
Para o chocolatier belga Philippe Vancayseele, os produtos brasileiros feitos de cacau são muito açucarados
Bem-vindo ao reino do chocolate fino!
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
O cacau encontrou um solo fértil no Brasil. Os bons chocolates,
porém, continuam pouco enraizados no gosto e na gastronomia
do país. Comparados aos europeus, os brasileiros estão ainda na
pré-história da produção de qualidade e da degustação requintada
do chocolate.
Para ensinar segredos da famosa produção belga, veio ao país na
última semana o chocolatier Philippe Vancayseele, conselheiro
técnico da Callebaut, uma das
maiores fabricantes do mundo.
Vancayseele, 43, deu aulas e fez
workshops no evento gastronômico Boa Mesa, ensinando desde
a composição química do bom
chocolate até maneiras de modelar o produto.
A Folha assistiu ao workshop de
Vancayseele. Ao lado de três
grandes vasilhas de chocolate derretido (escuro, branco e ao leite) e
sobre uma mesa de mármore (a
melhor superfície para trabalhar
com o produto), suas manipulações pareciam mágicas.
Não foi à toa que os alunos
aplaudiram várias vezes, surpreendidos e entusiasmados
quando as pastas de chocolate,
por obra do canhoto Vancayseele,
se transformavam velozmente em
cigarrinhos bicolores, cisnes, leques e conchas.
A seguir, o chocolatier ensina a
reconhecer as boas iguarias feitas
de cacau e conta o que mais o incomoda nos chocolates brasileiros: o excesso de açúcar.
Folha - Por que o Brasil, que é
uma das pátrias do cacau, não é
também um produtor conceituado
de chocolate?
Philippe Vancayseele - Creio que
isso se deve a razões culturais. A
Europa desenvolveu há muito
tempo a tecnologia do chocolate,
que ela tem exportado para outros países, como os Estados Unidos. Por isso estou aqui, para expandir essa cultura. Além disso,
creio que o clima contribuiu para
a cultura do chocolate na Europa.
Temos um inverno às vezes muito
frio e prolongado, e as pessoas
tendem a comer mais chocolates
no inverno do que no verão.
Folha - O sr. já experimentou chocolates feitos no Brasil? Já comeu
um brigadeiro?
Vancayseele - Já, pois me interessa saber o que os brasileiros
consomem. Mas eu diria que o
chocolate daqui é muito açucarado. Mesmo o chocolate escuro será muito doce no país. Eu prefiro
o chocolate com gosto de chocolate mesmo, isto é, com ao menos
70% ou 75% de cacau na receita.
Folha - Como se pode identificar
um bom chocolate?
Vancayseele - Primeiro, é preciso saber se o cacau utilizado é de
boa qualidade. E qual a quantidade de cacau que há no produto.
Quanto mais cacau, mais escuro
será o chocolate. Depois, é preciso
verificar o que chamo de refinamento do produto, ou seja, quanto menos granulado e mais fino
ele for para o paladar, melhor ele
será. A quantidade de açúcar é
também um critério. Quanto
mais açúcar, menos o gosto de
chocolate sobreviverá. No caso de
chocolate ao leite, é preciso que o
leite em pó do qual é feito também
seja de grande qualidade.
Folha - De onde vem o melhor cacau do mundo, hoje?
Vancayseele - O maior produtor
é a Costa do Marfim, e vem de lá
um dos melhores cacaus. Mas tudo é uma questão de gosto. As sementes de Java são muito boas,
bem como as do Brasil. Cada país
é um pouco especializado num tipo de semente e de cultivo. Os
produtores mundiais utilizam todas essas sementes para fazer um
sabor próprio, uma marca. Quando se come um chocolate Callebaut, ou Lindt, eles são diferentes
porque o modo de produção é diverso, e as sementes, as misturas,
a torrefação também.
Folha - Fora a Bélgica e a Suíça,
quais são os outros países que produzem bons chocolates?
Vancayseele - A França tem um
chocolate muito bom.
Folha - Os melhores produtores
ainda trabalham artesanalmente?
Vancayseele - Não. Na Bélgica,
ao menos, não existe mais a produção manual. Naturalmente, os
cursos são manuais. E as experimentações também: os testes são
feitos numa escala pequena até se
equilibrar a receita, quando então
partimos para a grande produção.
Algumas companhias podem fazer referências à fabricação artesanal, mas só para efeito publicitário. Faz tempo que isso morreu.
Folha - Quais são os bons chocolates feitos em escala industrial?
Vancayseele -Neuhaus e Godiva
são os belgas mais conhecidos.
Folha - Quais os principais inimigos do chocolate?
Vancayseele -Antes de tudo, a
umidade. É preciso evitá-la totalmente. O chocolate é um produto
muito sensível, e o ar e a luz, mesmo a luz artificial, perturbam o
seu gosto. A temperatura variável
é também prejudicial.
Folha - Como se deve guardar o
chocolate?
Vancayseele - É preciso evitar a
umidade, a luz, as variações de
temperatura. O melhor lugar para
conservar o chocolate é um lugar
seco, numa caixa de metal, sem
odor. Evite totalmente caixas de
madeira, que podem contaminar
com bactérias, e também as caixas
de papelão, pois o chocolate vai
absorver o gosto de papel. Também não se deve colocar o chocolate na geladeira, pois ele vai absorver a umidade. Se for preciso
guardá-lo na geladeira, que esta
seja com controle de umidade ou
seja seca. Se vamos degustar um
chocolate, ele não deve ir diretamente da geladeira à boca. Ele deve estar na temperatura ambiente,
porque é quando o gosto se libera.
Folha - Que bebidas acompanham bem o chocolate?
Vancayseele - Geralmente, os vinhos doces de boa qualidade, como o Porto. Um Porto com um
pedaço de chocolate, sobretudo
de origem seleta (de um só tipo de
semente, sem mistura), é realmente uma boa degustação.
Folha - O que acha da utilização
de chocolate em pratos salgados?
Vancayseele - Pode dar certo, se
não houver exageros. Se vamos
introduzir chocolate num prato
salgado, é preciso saber primeiro
que chocolate será utilizado. Devemos partir do chocolate para
buscar a combinação com os pratos salgados, e não o contrário.
Folha - O sr. já experimentou
bombons com pimenta?
Vancayseele - Sim. Eu, particularmente, não gosto dos ingredientes muito fortes. Mas a receita
pode funcionar, se a pimenta for
bem dosada e, no final, o gosto do
chocolate se sobrepuser. É preciso
decidir se queremos degustar o
chocolate ou comer pimenta.
Colaborou Suzana Singer, secretária de
Redação
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