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TELEVISÃO
Emissoras transformam garotos e garotas em protagonistas de programas
Jovens são os novos astros de "reality shows" nos EUA
JULIE SALAMON
DO "NEW YORK TIMES"
No bairro modesto de Long Island onde mora Frankie Evangelista, 8, é muito normal, numa
noite de verão, ver crianças jogando bola ou aprendendo a andar de
bicicleta na rua. Frankie faz essas
coisas, como todas as crianças.
Mas, enquanto curte os prazeres e
constrangimentos da infância,
costuma ser seguido por uma
equipe de televisão -e isso vem
acontecendo há mais de um ano.
Frankie não é ator, mas vai aparecer na televisão nacional americana, num novo "reality show" da
rede HBO intitulado "Family
Bonds" (Laços de família), que irá
ao ar nas noites de domingo. Os
telespectadores vão assistir aos
momentos mais íntimos de sua
família: Frankie chorando quando aprende a andar de bicicleta,
sua mãe comentando quantas vezes por noite faz sexo com seu pai,
sua irmã mais velha dando à luz
(incluindo um close do bebê
emergindo de sua vagina).
"Só sei que vou ficar famoso",
disse Frankie, sentado no gramado em frente à sua casa para uma
entrevista concedida algumas semanas antes da estréia do programa. Ele parecia ignorar o cinegrafista que gravava suas palavras, o
som do homem parado ao seu lado com equipamentos de som e
um fotógrafo de jornal registrando a cena inteira.
A impressão que se tinha era
que, para o menino, ser astro de
sua própria vida era um jeito totalmente natural de viver.
Na verdade, Frankie é apenas
um entre dezenas de novos astros
mirins da TV-realidade. Até agora o gênero era protagonizado
principalmente por adultos
-adultos com consentimento,
que, presume-se, compreendiam
as conseqüências de compartilhar
suas manias, romances e crises
com um público de milhões de
pessoas.
Na temporada atual, porém, a
TV-realidade está se voltando aos
baixinhos. No programa "Trading Spouses", da Fox, e em "Wife
Swap", da ABC, crianças são sujeitas a experimentos em que suas
mães se afastam delas por várias
semanas para viver com outras famílias, enquanto elas, as crianças,
são obrigadas a adaptar-se a mães
temporárias. A MTV vai colocar
no ar "Laguna Beach", que vai
acompanhar as dores e as dificuldades de adolescentes ricos e bonitos em Orange County.
Em dezembro, a N, a rede "irmã" da MTV voltada para telespectadores menores, vai exibir
"Best Friend's Date", mostrando
adolescentes em saídas com desconhecidos, e "Girls vs. Boys:
Montana", uma espécie de "Survivor" para menores de idade.
"Será que é impróprio?" falou
Sheila Nevins, presidente da divisão de documentários da HBO,
referindo-se à participação de
crianças e adolescentes em programas de TV-realidade. "Não
sei. Provavelmente. Mas a grande
atração agora são as pessoas reais.
E Frankie, até agora, está sendo a
maior não vítima de tudo isso.
Judy Garland sofria muito mais
do que ele."
Indagados sobre os possíveis
riscos para menores de idade decorrentes de sua participação em
"reality shows", vários profissionais de saúde mental falaram do
envolvimento dos pais. Afinal,
nenhum menor de idade pode
participar de um programa desse
tipo sem a autorização de seus
pais e, em muitos casos, a participação da criança é idéia dos próprios pais.
"Não é tanto o fato de aparecer
na TV que é problemático para as
crianças -é o fato de virem de famílias que concordam em brincar
dessa maneira, em serem objeto
de brincadeiras desse tipo", comentou Margaret Crastnopol,
psicanalista de Seattle que recentemente assistiu ao programa
"Trading Spouses".
Mas a psicoterapeuta nova-iorquina Elaine Heffner, especializada em desenvolvimento infantil
na primeira infância, não quis
condenar os pais que inscrevem
seus filhos em "reality shows".
"Acho que é muita soberba dizer a um pai ou mãe: "Você está
exagerando ao deixar seu filho
participar do programa em que
você vai tomar parte'", disse ela.
"Acho que é algo ao qual eu, pessoalmente, não quereria expor
meus filhos, mas não é problema
de mais ninguém, a não ser que
realmente ocorra abuso infantil."
Lynn Bradley é uma das mães
que iam aparecer no capítulo de
estréia de "Wife Swap", da ABC.
Mulher simples que vive na zona
rural de Nova Jersey, corta sua
própria lenha e trabalha como
motorista de ônibus escolar, ela ia
trocar de lugar com uma mulher
mimada de Manhattan que sai às
compras enquanto babás cuidam
de seus filhos.
Ela e seu marido se envolveram
com o programa, conta Bradley,
quando responderam um anúncio publicado no jornal local. Por
que ela concordou que sua família
inteira participasse, incluindo
suas filhas de 12 e 13 anos? "Principalmente por ser algo no qual
podíamos participar todos, como
família", respondeu. "Fomos avaliados por um psiquiatra para saber se as crianças seriam capazes
de segurar a onda."
As redes de TV que exibem esses programas parecem compreender que pisam em terreno
ético delicado. "Eu teria vergonha
de admitir quantas horas foram
gastas discutindo questões de segurança e cicerones", comentou
Sarah Tomassi Lindman, vice-presidente de programação e produção da N, que exibe os programas de namoro juvenil e os do tipo "Survivor".
Estranhamente, o representante
de relações públicas de "Trading
Spouses", da Fox, não permitiu
que as crianças que aparecem no
programa fossem entrevistadas
por um repórter de jornal, embora sua rede vá colocar as mesmas
crianças na televisão nacional.
"Quando se trata das crianças, tomamos muito cuidado", explicou
em mensagem de e-mail.
Em vista da sede insaciável que
a TV-realidade tem de novos temas, a introdução de crianças no
gênero provavelmente era inevitável. "O coração da sitcom norte-americana é a família norte-americana", explicou Stephen Lambert, produtor executivo de "Wife
Swap". "A TV-realidade se encaminha para tomar o lugar de muitas sitcoms tradicionais", continuou, sobre novo artifício da televisão para explorar e fantasiar o
funcionamento das famílias.
Como quase tudo na TV, o gênero não é novo. A televisão pública rompeu a barreira da realidade em 1973, com "An American
Family", uma espécie de dramalhão verídico, em 12 capítulos, sobre a família Loud, de Santa Bárbara, Califórnia. Durante o seriado, o pai ficou sabendo da homossexualidade de seu filho, e a
mãe decidiu pedir divórcio.
É pouco provável que as famílias dos programas de hoje conquistem a mesma notoriedade da
família Loud, simplesmente porque esta se expôs antes de essa exposição tornar-se uma prática relativamente comum. Além disso,
os "reality shows" de hoje são
mais leves, com poucas pretensões sociológicas. "Isto é entretenimento com apelo comercial",
disse Steven Cantor, 35, produtor
de "Family Bonds".
Ser escolhido para integrar o
elenco de um "reality show" não é
tão simples quanto talvez pareça.
Os produtores procuram nos astros mirins da TV-realidade as
mesmas qualidades que desejam
em atores: a capacidade de projetar felicidade e angústia de maneira que leve o público a reagir.
Os menores de idade que participam de "reality shows" parecem
totalmente despreocupados em
relação à exposição da qual serão
vítimas -na realidade, dizem ter
gostado muito da experiência.
Laura Bradley, 13, filha de Lynn,
contou ter sentido prazer quando
câmeras de TV invadiram sua casa em Nova Jersey por dez dias.
"Dizem que depois de estar diante
das câmeras você se vicia nessa
sensação, e acho que é verdade",
disse ela. "Gosto de sentir a câmera ligada o tempo todo e não me
importo nada em saber que as
pessoas vão me ver na televisão."
A mãe de Frankie, Flo Evangelista, foi a única pessoa da família
que, num primeiro momento, relutou em participar de "Family
Bonds". Ela conta que cedeu porque seu marido, Tom, que trabalha com o resgate de fianças, a
convenceu de que o seriado seria
bom para o negócio da família.
Agora, diz, já aceitou a exposição.
"Esta é nossa vida", disse ela. "A
única diferença é que alguém está
filmando e que irá tudo ao ar. Mas
todos nós sentimos que não temos nada a esconder."
No entanto, talvez pelo fato de
ter tido seu primeiro filho no ano
passado, Cantor conta que vem
protegendo Frankie na medida
do possível. "Se ele chora facilmente, não quero que as pessoas
pensem que é um maricas. Se ele
não tivesse aprendido a andar de
bicicleta depois de chorar, não teríamos aproveitado essa cena. Se
isso tivesse deixado o programa
menos real, azar."
Enquanto parentes entravam e
saíam de sua casa, Frankie comentou como foi assistir à sua
própria vida acontecendo em
"Family Bonds", que ele viu numa
sessão realizada na HBO, ao lado
de um público grande.
"Achei superengraçado quando
chorei na hora de aprender a andar de bicicleta", disse ele. "Achei
o máximo."
Como ele se sentiu quando ouviu sua mãe falar de sexo na televisão?
"Eu tampei os ouvidos", afirmou Frankie.
Ele ficou com vergonha?
"Sei lá", respondeu o menino.
"Meus ouvidos estavam tampados."
Há alguma coisa que ele gostaria que não tivesse saído na televisão?
Frankie olhou para Cantor, sentado perto dele, e sorriu. "Espero
que tudo o que você filmou acabe
na TV."
Tradução de Clara Allain
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