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DVD/LANÇAMENTO
Primeira temporada da produção de David Lynch que influenciou geração de roteiristas chega em caixa
Estranho mundo de "Twin Peaks" volta a assombrar
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
Dezessete anos, drogada e prostituída. Há 14 anos, uma garota
chamada Laura Palmer revirou a
vida (aparentemente) modorrenta de uma cidadezinha norte-americana chamada Twin Peaks.
Bizarra, surpreendente e popular. "Twin Peaks", a produção de
onde saiu a personagem alterou
de maneira irreversível as séries
de TV (decididamente) modorrentas da época. O culpado: David
Lynch, diretor que joga o conservadorismo narrativo às favas.
Ela retorna agora em forma de
box com quatro DVDs contendo
a primeira temporada e extras.
Passado tanto tempo, a série ainda assombra, em um momento
em que o bizarro é moeda corrente na televisão atual por vias tortas
e nada artísticas -vide a realidade dos inúmeros "reality shows".
"Twin Peaks", criada por Lynch
e Mark Frost, estreou em abril de
1990 na rede aberta norte-americana ABC e logo tornou-se um fenômeno de audiência (no Brasil,
foi exibida em 1991 pela Globo). A
trama gira em torno do assassinato de Laura, uma aparentemente
garota-modelo da fictícia cidade.
Logo no episódio inicial, ela aparece morta e nua, enrolada em um
saco à beira-mar.
Com a chegada do agente do
FBI Dale Cooper (Kyle McLachlan) as camadas de aparente
normalidade serão destruídas. No
decorrer das investigações, surge
um mundo sombrio e surreal onde ninguém é o que parece ser.
Na estréia, "TP" teve mais de 20
milhões de espectadores e 33% de
share. Ou seja, um terço das TVs
ligadas no horário estavam assistindo à produção. Para efeitos de
comparação, a série mais vista nas
últimas semanas nos EUA, "CSI",
tem 22% de share.
""TP" trazia personagens exóticos e com manias estranhas em
um formato de drama, o que antes só acontecia em sitcoms; exigia que os espectadores mantivessem na mente detalhes do enredo
por vários episódios e foi uma das
primeiras séries que precisavam
de um completo silêncio durante
sua exibição", diz à Folha David
Lavery, professor de inglês da
Middle Tennessee State University e organizador do livro "Full of
Secrets: Critical Approaches to
"Twin Peaks'" (Repleto de segredos: introduções críticas a "TP').
A provocação era tal que, no
episódio final da primeira temporada, a identidade do assassino
não era revelada por completo,
além de deixar praticamente todas as situações em aberto. "Se
dependesse de Lynch, o mistério
jamais seria descoberto", diz Roberto Moreira, cineasta e professor de dramaturgia da ECA-USP.
"Um artigo publicado em uma
revista americana logo depois que
"TP" foi ao ar chamou-a de "a série
que vai mudar a TV para sempre".
"TP" teve um impacto duradouro.
Muitos dos grandes inovadores
da TV atual, como David Chase
("Os Sopranos') e Joss Whedon
("Buffy, a Caça-Vampiros'), costumam falar sobre sua admiração
pela série. Não é por mera coincidência que ambos fazem uso
constante de sonhos em suas séries -uma influência clara de
"TP'", argumenta Laveary.
Lynch usou recursos típicos do
cinema. Cada episódio, com closes e planos que lembravam seu
longa anterior, "Veludo Azul", e a
música de Angelo Badalamenti,
assemelhava-se mais a um filme
de uma hora de duração.
Em entrevista à Folha, Erica
Sheen, professora de teoria literária e fílmica na Universidade de
Sheffield e uma das organizadoras do livro "The Cinema of David
Lynch: American Dreams, Nightmare Visions" (O cinema de David Lynch: sonhos americanos, visões do pesadelo), defende:
"Lynch tem influenciado muito
mais a TV do que o cinema. "TP",
definitivamente, deixou sua marca em séries como "Arquivo X" e
"A Sete Palmos". O que essas séries
têm em comum é um cruzamento
entre a vida diária e o estranho".
""TP" mostra como cultura pop
e pretensão artística podem conviver e gerar produtos desafiadores. Pela primeira vez, nos EUA,
surgia um produto ambíguo, com
uma narrativa em que a subjetividade do autor era o que "explicava" os eventos. Assim como o cinema tem Bergman e Fellini, a TV
tem Lynch", diz Moreira.
A lua-de-mel com o público
acabaria na segunda temporada.
Logo no início, o mistério já estava esclarecido. O roteiro foi se embrenhando cada vez mais em delírios surrealistas e os índices de audiência despencaram a ponto de a
ABC cancelar o programa. Lynch
ainda faria o canto de cisne "Twin
Peaks - Fire Walk with me"
(1992), ou, no Brasil, "Os Últimos
Dias de Laura Palmer", longa para
o cinema que conta os eventos anteriores ao assassinato. Sem os limites da TV, Lynch partiu para
um caminho ainda mais fragmentado, desagradando aos fãs.
A primeira temporada, no entanto, permanece como um dos
melhores trabalhos de Lynch. E o
fantasma de Laura Palmer volta a
pairar, de forma incessante.
TWIN PEAKS. Lançamento: Paramount.
Quanto: R$ 145, em média.
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