São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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Berço do dadaísmo, Cabaret Voltaire reabre com patrocínio estatal e privado, contrariando princípios do movimento artístico

DADÁ um dinheiro aí

Divulgação
Dadazüri, relógio Swatch que utiliza colagem à maneira dadá


EDUARDO SIMANTOB
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE ZURIQUE

O Cabaret Voltaire, berço do dadaísmo, reabriu oficialmente suas portas reformadas na última quarta-feira. Ninguém menos que o prefeito de Zurique, Elmar Ledergerber, reconheceu, em seu discurso, que "Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans Arp devem estar se revolvendo em seus túmulos".
Pois a estranha parceria que resgatou o imóvel medieval, na Spiegelgasse 1, do risco de virar um bloco de apartamentos de luxo com uma farmácia no térreo é tudo o que o dadaísmo sempre abominou: o poder público e a iniciativa privada. Traduzindo: prefeitura e a gigante relojoeira Swatch, comprometidas com o subsídio de, respectivamente, US$ 1 milhão e US$ 1,2 milhão para o funcionamento da rebatizada Dadahaus nos próximos cinco anos.
O evento de reabertura da casa contou com um público bastante distinto. Estavam o prefeito, o herdeiro do grupo Swatch, Nicholas Hayek, vereadores, políticos, alguns artistas e jornalistas provindos das três línguas nacionais.
Houve uma série de agradecimentos oficiais, mas, apesar de citados em grandes letras, faltaram à "cerimônia" os integrantes do coletivo Krösus, autodenominado herdeiro de dadá, que ocupou o prédio em 2002 até ser desalojado pacificamente pela polícia, chamando a atenção da cidade para o esquecimento de um de seus mais importantes marcos.
No novo Cabaret Voltaire, o Krösus deixou de presente uma escultura, um grande relógio envolvendo uma televisão, na qual uma edição de vídeos caseiros realizados durante a ocupação lembra ao visitante o verdadeiro espírito dadá. Enquanto os funcionários de uma empresa de marketing esticavam uma faixa na frente do prédio, anunciando a promoção "dê o nome de Dadá para seu filho que vai nascer e ganhe 10 mil francos (US$ 8 mil) da Bibi (fabricante de mamadeiras e chupetas, detalhes em www.gugusdada.ch)", militantes do Krösus pregaram uma placa de mármore: "Nesta casa, entre 5 de fevereiro e 2 de abril de 2002, o Cabaret Voltaire foi ocupado e o dadaísmo, por um breve período, revivido. Descanse em paz".
"O espaço não será um museu nem salão de festas", repetia Philipp Meier, ex-agricultor, ex-jardineiro e ex-agitador dos mais badalados clubes de Zurique, escolhido para dirigir a casa. Juri Steiner, curador do material original, filmes e documentários, define o novo espaço como um "laboratório para a arte contemporânea". Seja lá o que isso signifique, a programação anunciada para os próximos dois meses enfocará o tema da imigração.
O fato de praticamente todos os dadaístas originais terem sido estrangeiros artistas, boêmios, desertores e pacifistas de toda a Europa, abrigados da Primeira Guerra na neutra Suíça, é apenas o gancho. Na semana passada, o povo suíço, em plebiscito, disse não à proposta de se facilitar a naturalização de estrangeiros de segunda geração, e outro não para a concessão de cidadania automática para a terceira geração nascida em solo suíço. O tema é bem momentoso, mas dadá, o próprio, virou mesmo relógio: um Dadazüri (com um pedaço de colagem dadá original de fundo) sai por US$ 80; Dada Traces (poderia também ser perfume), por US$ 48. Edições limitadas.


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