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CRÍTICA
Desconhecimentos gerais no "reality show"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
É difícil , quase impossível,
falar desse assunto sem esbarrar na arrogância, no elitismo, no pedantismo mais besta;
mas é também difícil, quase impossível, assistir a "Sem Saída", o
"reality-game-show" da Record
e não se espantar com, vamos lá,
a ignorância dos participantes.
"Quantos segundos há em 5
minutos?"; "Em qual cidade nasce quem é soteropolitano?";
"Quantos dias tem o mês de setembro?" e "Qual é o Estado brasileiro que faz fronteira com o
Rio Grande do Sul?" são algumas
das perguntas que recentemente
receberam olhares interrogativos, muxoxos de perplexidade
ou "não sei" como resposta.
OK, pode-se argumentar que a
situação de tensão embota os
pensamentos e trava as línguas.
Em "Sem Saída" é preciso vencer
um jogo de perguntas para permanecer no programa. As questões podem ser sobre "conhecimentos gerais e cultura popular"
ou sobre temas que os participantes devem "estudar" ou, ainda, sobre conversas e acontecimentos do dia-a-dia do próprio
programa.
Claro, deve-se argumentar que
a definição do repertório de conhecimentos que são ou deveriam ser, de fato, gerais é bastante
problematizável. Também há
que assinalar que "cultura popular" é uma adaptação imprópria
de cultura pop, e que o que o pop
tem de popular no mundo anglo-saxão não é assim tão transferível
para a realidade brasileira.
Essas e outras ressalvas, se podem relativizar casos mais ou
menos isolados de erros crassos,
não explicam, entretanto, um fenômeno que se poderia descrever como de uma relação perto
do zero com o conhecimento.
Mais do que aquilo que ignoram,
é chocante o fato de as pessoas
não demonstrarem nenhum incômodo por isso. No máximo,
elas lamentam a sua falta de sorte, não o fato de que não sabem.
Saber é uma atividade que pertence ao terreno do acaso, do
chute, não da formação básica,
do mínimo de informações sobre
o mundo que uma pessoa alfabetizada (e há, entre os participantes, quem tenha completado o
terceiro grau) tem que ter. E, na
verdade, essa relação deteriorada
com o conhecimento não é restrita aos participantes: também
aqueles que elaboram as perguntas que não serão respondidas
via de regra valorizam a informação acessória, estapafúrdia.
O "Show do Milhão", do SBT,
jogava com o descompasso entre
a simplicidade de algumas perguntas e a ultra-especificidade de
outras. Além disso, Silvio Santos
e sua perversidade ("dois e dois
são quatro? Você tem certeza disso?") eram capazes de desestabilizar qualquer certeza.
Mas em "Sem Saída" não há
nem essa manipulação maligna.
As perguntas se limitam ao simplório e o apresentador Márcio
Garcia se abstém de comentários
sarcásticos, não esboça nenhuma
expressão de surpresa.
E ainda assim, nesse ambiente
pouco hostil, eles continuam não
fazendo "a menor idéia". Ou seja,
o buraco é mesmo lá embaixo e,
ao que parece, sem muita saída.
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