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Bicheiro paquera em bate-papo televisivo
DA REPORTAGEM LOCAL
Meia-noite e meia, e Rui*, 23,
está cansado depois de um longo
dia de trabalho. Gerente do jogo
do bicho, ele comanda 50 pontos-de-venda na região central de São
Paulo. Sozinho em casa, brigado
com a namorada ("quase solteiro"), ele não resiste e novamente
telefona para o bate-papo que a
televisão anuncia.
Liga de seu celular pré-pago e
não se preocupa com o custo da
brincadeira, já que gasta em média R$ 900 por mês com suas ligações. "Estava sem nada para fazer,
não tinha nada melhor na TV para assistir e era tarde para ligar para os amigos", explica ele, ao cruzar com a reportagem da Folha
em uma das salas do chat.
Morador de São Miguel Paulista
(zona leste de São Paulo), Rui parou de estudar no segundo ano do
ensino médio e começou no jogo
do bicho aos 18. Ganha "bem", o
suficiente para ir aos shoppings
nos finais de semana e pagar o celular. Seu prazer, conta, é conhecer novas pessoas, e por isso começa a se tornar adepto dos chats
televisivos (para os da internet,
diz não ter tempo). E não nega a
intenção de paquera. Se "rolar"
algo interessante, pode marcar
um encontro pessoalmente.
Baixaria
"Tchau, Rui." E a reportagem da
Folha disca o três e muda de sala
(é assim o chat do "Swing com
Syang"). Alguém, voz masculina,
grita "eu sou o língua de ouro" e
inicia um festival de baixaria e palavrões. "Quero arrancar sua roupa todinha" e por aí vai.
"Que cara mala, que contêiner",
reclama uma garota. "Que nível!
Tem muito otário nessa sala. Vou
mudar." Muda. A Folha também.
O clima não melhora muito.
"Flávio, o pastor" quer converter
os companheiros ao pecado. Tentemos discar o três de novo.
"Alô." "Oi, quem fala?" "É a
Laura." "Oi, meu nome é Carlos,
tudo bem?" "É a primeira vez que
entra no chat, Carlos?", pergunta
a Folha, já para explicar que o papo era uma entrevista. "É a primeira, sim." Mas entra outro alô
feminino. "É a Luana." Carlos se
desvia. "Oi, gatinha, que bom que
te achei de novo! Não ia conseguir
dormir sem falar com você."
E a Folha: "Mas, Carlos, não disse que era a primeira vez no chat?
Como já conhece a Luana?". Em
tom de desprezo: "Se liga, mina, é
que estou aqui há muito tempo".
Paquera de Carlos havia dez minutos, Luana já vem ciumenta:
"Ué, Carlos, já está me traindo,
é?". "Não. É tão difícil achar uma
gata de ouro como você nas salas... Acha que eu ia te trair? Passa
o seu celular que eu te ligo direto."
Luana passa, e os dois saem da sala virtual para algo mais real.
A Folha anotou o número de
Luana e, para não atrapalhar, ligou no dia seguinte. Ela tem 17
anos, é estudante do segundo ano
do ensino fundamental numa escola particular e mora também
em São Miguel.
Disse que o papo com Carlos
não havia ido muito adiante. Nem
houve encontro marcado, como
já aconteceu com outro garoto.
Luana mora com o pai aposentado e a mãe dona-de-casa e assiste ao programa de Syang na televisão do seu quarto. Já entrou no chat telefônico quatro vezes, mas
nunca saiu com ninguém que conheceu por lá. Tem namorado há
um ano e meio. "Ele não tem ciúme, acha que conversar por telefone não tem nada a ver."
Já passou quatro horas pulando
de sala em sala, paquerando, conhecendo pessoas. E não foi à falência com tanta ligação? "Não,
porque meu celular pré-pago tem
uma promoção por um ano, com
chamadas grátis a partir das 21h."
Ah, bom.
(LM)
(*) Os nomes foram trocados a pedido
dos entrevistados.
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