São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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CINEMA

Críticos apontam discordâncias com o filme "Olga" e também entre si

Especialistas questionam até o seu próprio debate

Divulgação
A atriz Camila Morgado na cena da prisão de sua personagem em "Olga", de Jayme Monjardim


DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta Fernando Meirelles é íntimo dos rótulos usados na crítica cinematográfica. Ele "possui" o de autor de "cinema publicitário", definição dada à sua obra ("Cidade de Deus", "Domésticas") por quem enxerga nela uma extensão da linguagem dos comerciais de TV, campo em que Meirelles se firmou como um dos profissionais mais requisitados do país.
"A princípio, acho besteira esse negócio de "linguagem de TV'", diz Meirelles, indicado ao Oscar de melhor diretor neste ano, por "Cidade de Deus". O diretor diz que ainda não assistiu a "Olga" porque acaba de retornar ao país, vindo das filmagens na África de "O Jardineiro Fiel", produção inglesa estrelada por Ralph Fiennes.
Mas Meirelles tem uma opinião geral que se aplica ao caso específico do longa de Jayme Monjardim. "TV, cinema, clipe, publicidade é tudo a mesma linguagem. As ferramentas para se contar uma história são as mesmas: som, luz, enquadramento e interpretação. Não há um modelo de uso destas ferramentas para TV e outro para o cinema. Tudo pode."

Cinema x filmes
O crítico e professor André Parente acha que "Olga" tem pouco a ver com cinema, mas diz que "essa não é uma prerrogativa deste filme". Ele afirma que "do que as pessoas chamam de cinema da retomada [a produção brasileira a partir de 1994], a grande maioria dos filmes não tem nada a ver com cinema. São apenas produtos, como qualquer outra coisa".
Parente ressalva, no entanto, que a escala industrial da realização "de filmes, não de cinema" não é necessariamente ruim e pode favorecer a produção audiovisual como um todo. "De um dia para o outro, o Brasil acordou como um país de cinéfilos. Hoje, todo o mundo quer fazer cinema, de Caetano Veloso a Monique Gardenberg ["Benjamim"], passando pelo Miguel Falabella", diz.
Por achar "Olga" um filme "catastrófico", a estudiosa e crítica Ivana Bentes coloca em xeque outro argumento usado na defesa de produções da mesma estirpe -que contam com o selo Globo Filmes e investimentos nas campanhas de lançamento da ordem de milhões de reais.
"Dizem que essa produção está ajudando a levar aos cinemas uma parcela do público que se mantinha distante dos títulos nacionais", enuncia Bentes. "Mas eu me pergunto: para que sair de casa para ver uma TV piorada e a história aplainada?"
Entrelaçando a discussão de "Olga" com a da regulação da atividade audiovisual no Brasil, desencadeada pelo projeto do Ministério da Cultura de criar a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, Bentes desafia: "Então é esse o conteúdo nacional que a Globo quer que seja protegido de outros mercados, como o das teles [celular]? Se for esse, acho absolutamente discutível".
Voltando à discussão de como o longa de Monjardim se relaciona com a linguagem televisiva, Marcelo Janot, presidente da Associação de Críticos do RJ, aponta o que considera um equívoco na maneira como a questão se põe. "Os críticos e opinadores de plantão deveriam parar de carimbar o filme com rótulos e analisar o que ele tem a oferecer."

"A Vida como Ela É"
Para Janot, "o problema com o "ser televisivo" é que essa expressão é freqüentemente associada a algo negativo. O uso recorrente de closes e de planos/contraplanos passa a ser considerado "televisivo", logo, ruim". Mas, como aponta o crítico, "quando a Globo produziu os episódios de "A Vida como Ela É", baseados na obra de Nelson Rodrigues, em película, muita gente elogiava o aspecto "cinematográfico" (positivo, portanto) da produção". Assim, Janot chega a uma conclusão que é também uma interrogação: "Não há muita diferença no uso da câmera de "Olga" e de "A Vida como Ela É". Logo, o que é televisivo (ruim) e o que é cinematográfico (bom)? Um ótimo filme como "O Auto da Compadecida" [Guel Arraes] perde seu valor por ser "televisivo'?".
Para a cineasta Suzana Amaral, o aspecto questionável em "Olga" não é sua filiação à matriz da TV. "Fosse apenas uma novela da programação vespertina, qualquer debate seria irrelevante, inútil e não necessário", diz. O que incomoda Amaral é o tratamento que o filme dá a personagens "recentes, quase vivos em nossas memórias". Ela considera os retratos de Olga e Prestes feitos no longa indignos da envergadura histórica dos personagens reais.
Amaral afirma que "tudo no filme manipula e leva à emoção fácil: senhoras e senhoritas desavisadas e ignorantes de nossas figuras históricas choram emocionadas no escurinho do cinema. Ao vender a história e seus personagens, não deixa de ser um bom exemplo de manipulação dramática e cinematográfica".
Ou seja, nem quando obtém a chancela de "cinema", "Olga" se livra das críticas.
(SILVANA ARANTES)


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