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Governo negocia novas regras para a programação; TVs falam em censura
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
É proibido exibir "reality
shows", telejornais "mundo cão"
antes das 20h e pegadinhas com
crianças, adolescentes e idosos.
Esses são alguns dos pontos de
um termo de compromisso proposto às emissoras de TV pelo Ministério da Justiça (MJ) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
O texto veta determinados tipos
de programas, sugere a adoção de
um ombudsman e a preferência
por programação "educativa, cultural, artística e informativa".
Globo, SBT, Record, Rede TV! e
Band receberam o documento há
cerca de um mês, e havia uma
reunião marcada para a última
sexta, para que se manifestassem.
Estrategicamente, no entanto, os
órgãos federais adiaram o encontro por tempo indeterminado.
Perceberam que a tendência era
que as TVs se recusassem a assiná-lo e chegassem com toda a
munição contra a proposta, falando em censura e autoritarismo.
O termo propõe adesão voluntária e não tem força de lei. Poderá, contudo, servir de reforço a futuras ações judiciais contra as
TVs. A reação contrária foi forte, e
a polêmica irá esquentar nos próximos dias. O Ministério Público
Federal espera, ao menos, uma
contraproposta. Se as TVs se recusarem até mesmo a discutir o
projeto, o MPF deverá entrar com
uma série de ações judiciais por
reclamações de telespectadores.
As queixas atualmente estão paradas, aguardando definição sobre o termo de compromisso.
Censura
As emissoras, porém, não parecem dispostas a negociar. "Isso
não deve ser assinado. A Constituição garante a liberdade de expressão, e o termo viola esse princípio. Esse texto e as propostas de
criação do Conselho Federal de
Jornalismo e da Ancinav [Agência
Nacional do Audiovisual] mostram uma ofensiva de governo
para cercear a liberdade de expressão", afirma Marcelo Parada, vice-presidente da Band. "É curioso que venha do PT, que lutou contra censura e agora, no governo, faz justamente o contrário. O controle
social da TV é o controle remoto."
A Record também se declarou
contrária e não irá apresentar
uma contraproposta. "A Record
não aceita nenhuma espécie de
controle. Já tem sua ética, uma
programação voltada à família.
Não tem de assinar nada, porque
já existem leis, como a Lei de Imprensa e o Estatuto da Criança e
do Adolescente, que punem excessos. E não vai dar nenhuma sugestão [ao governo]. A sugestão é
aplicar a lei vigente", disse Dennis
Munhoz, presidente da rede.
Segundo ele, a proposta busca a
censura porque proíbe previamente a exibição de programas.
Munhoz falou ainda em subjetividade, por exemplo, quando o documento veta "reality shows" por
"explorarem a intimidade". "O
que é intimidade? É relativo."
Faz coro às TVs José Pizani, recém-eleito presidente da Abert
(Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV), que representa a Globo. "Nossa posição é de
não assinar termo algum, o qual
consideramos indiscutível. Defendemos auto-regulamentação."
O SBT afirmou que não iria comentar porque a reunião havia sido adiada em razão da "preocupação" das TVs com "qualquer
iniciativa que possa resultar em
restrição à liberdade de imprensa". Globo e Rede TV! não se manifestaram oficialmente.
O Ministério da Justiça negou
que a iniciativa tenha relação com
o conselho de jornalismo ou a Ancinav. A suposição foi negada
também pela procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Ela
Wiecko de Castilho, que assina o
termo. "O texto surgiu porque o
Ministério Público recebe grande
número de reclamações contra a
programação das TVs. A discussão existe há mais de um ano."
A procuradora da República
Eugênia Fávero, uma das mentoras do termo, negou a acusação de
censura e de ligação com outros
projetos do governo. "As redes
querem se valer disso para dizer
que sofrem um ataque. Mas é o
contrário. O termo busca um
acordo e pode evitar que entremos com ações. Nada tem a ver
com censura, que é arbitrária.
Mas a liberdade de expressão via
TV tem limites impostos pela
própria Constituição."
Ela Castilho afirmou que sua expectativa é que as TVs se comprometam a mudar de postura. "Não
queremos ser autoritários, mas
sim discutir com as redes se estão
ou não respeitando o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Estamos abertos a negociações e queremos um avanço do diálogo. Será que as emissoras não concordam com nenhuma proposta?"
Segundo ela, se as TVs não assumirem nenhum compromisso, o
MPF terá de começar a entrar
com ações. "Temos de dar respostas ao cidadão que nos procura
para reclamar da programação."
Esse é mais um capítulo da antiga novela do controle da programação, que opõe governo e TV.
Na era FHC, o MJ tentou negociar
uma auto-regulamentação e assinou uma portaria que controlava
o horário de exibição dos programas. A primeira idéia não vingou,
e a portaria foi derrubada na Justiça. Nos bastidores do governo e
das TVs, poucos crêem que o fim
do "melodrama" esteja próximo.
Colaborou DANIEL CASTRO,
colunista da Folha
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