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MOSTRA DE SÃO PAULO
PERDAS...
Diretor de "Entrevista com o Vampiro" reabilita Nick Nolte em papel de viciado
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LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
A redenção de Nick Nolte, preso
no ano passado por dirigir sob influência de drogas -aliás, sempre presentes na sua vida-, chega pelas mãos do irlandês Neil
Jordan, 53, diretor que tem no
currículo filmes políticos ("Michael Collins") e blockbusters
("Entrevista com o Vampiro").
Em "O Grande Ladrão" (estréia
prevista para o dia 30), a vida real
do ator se mistura com a ficção no
papel de um ladrão decadente,
destruído pela heroína, que planeja a volta ao crime após perder
todo o dinheiro que tinha apostando em corridas de cavalo e carteados. Nolte, que gosta de incrementar sua "ficha", disse em entrevista ao jornal espanhol "El
País" ter experimentado heroína
para compor seu personagem.
"Foi estranho ver a vida de Nick
se misturar à do personagem do
filme", diz o diretor. "Mas ambos
estão em reabilitação."
Em entrevista à Folha, de sua
casa na Irlanda, Neil Jordan primeiro pede desculpas por não estar presente a nenhuma exibição
de seu filme, que participou até
ontem do Festival do Rio e chega a
São Paulo ainda neste mês. "O Rio
está tão longe neste momento para mim. Mas quero ir algum dia,
porque nunca estive no Brasil.
Talvez no ano que vem", arrisca.
Folha - Seus filmes sempre foram
elogiados por reviverem um clima
noir. Que atmosfera o sr. quis criar
para "O Grande Ladrão"?
Neil Jordan - Inventei uma espécie de cidade imaginária dentro
de Nice, em Monte Carlo, que é
um lugar ensolarado e onde há tesouros a serem roubados. A trama se passa quase inteiramente
quando o sol se põe, para caracterizar bem o mundo de Bob Montagnet [Nick Nolte]. Também
queria que a câmera fosse mais
agressiva e mais invasiva do que
em meus longas anteriores.
Folha - Há espaço no mundo de
hoje para um "bom ladrão"?
Jordan - [Risos] Provavelmente
não. A história toda acontece
num mundo que não é muito verdadeiro. Ele é um ladrão que encontra a redenção em si mesmo.
Uma das coisas que mais me
atraíram nesse projeto é a ausência de violência. Mas é bem antiquado, fora de uso mesmo.
Folha - O sr. também é roteirista.
Qual a principal diferença entre escrever e dirigir um filme?
Jordan - Não há diferença, na
verdade. As duas coisas são parte
de um mesmo processo. Quando
você escreve o roteiro, pensa o
mundo ideal. Ao dirigir, vê o
mundo que tem de transformar
em filme. No primeiro, você está
no cenário das idéias; no segundo,
imerso na realidade.
Folha - Excetuando Nick Nolte,
todos os outros atores do seu filme
são caras novas. Por quê?
Jordan - Nick Nolte foi o único
que conseguir pagar com o meu
orçamento. Os outros não são estrelas do cinema. E há ótimos atores na França, na Argélia, no Leste
Europeu que quis usar no filme.
Folha - O sr. acha que esse papel
foi também uma espécie de reabilitação para Nick Nolte?
Jordan - Com certeza. Foi até
uma coisa estranha ver a história
do personagem se transformando
na história dele. Mas ele é um ator
que trabalha assim, utilizando sua
própria experiência como laboratório para criar seus personagens.
Folha - O sr. já ganhou vários prêmios: Oscar de roteiro com "Traídos pelo Desejo" (92), Leão de Ouro
em Veneza com "Michael Collins"
(95), Urso de Prata em Berlim com
"Nó na Garganta" (97)... O que
acha desse tipo de competição?
Jordan - Eu adoro ganhar prêmios [risos]. Acho que os prêmios
são muito importantes para os independentes. Os diretores de sucessos-pipoca não se incomodam
em ganhar troféus. Mas, para os
filmes de fora do grande sistema,
prêmios servem como uma espécie de chamariz. Festivais também jogam luz em produções que
de outra forma teriam grandes dificuldades em encontrar público.
Folha - O sr. sente diferença em
seus filmes por ser irlandês?
Jordan - É difícil falar sobre mim
mesmo. Obviamente, por eu ser
irlandês, há certas características
em meus filmes que não haveria
em outro. Já fiz longas sobre violência política, que vêm do meu
passado. Por ter nascido na Irlanda, também tenho tendência a
gostar de ambientes fantásticos.
Quando você faz um filme, fala
para uma platéia mundial, embora não consiga evitar mostrar de
onde vem. E os melhores filmes
vêm de suas origens.
Folha - Nas suas entrevistas, o sr.
sempre diz que não gosta de improvisar. Por quê?
Jordan - Não sei, talvez eu devesse, mas não faz parte de minha
natureza. Quando escrevo o roteiro, vejo muito bem o que quero
filmar e de que forma. É um sistema que não permite que se improvise muito. E meus diálogos
são corriqueiros, não dão muita
margem para improvisos.
Folha - Como foram as filmagens?
Jordan - Muito complicadas,
porque a equipe francesa e a inglesa não se entendiam, e eu ficava sempre no meio [risos]. Foi
bem trabalhoso. Mas com os atores houve bastante liberdade.
Folha - O sr. está trabalhando em
algo novo?
Jordan - Voltei a escrever romances. O próximo se chama
"Shade" (Sombra) e trata de um
fantasma. Mas para o cinema ainda estou analisando alguns projetos. Deve demorar.
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