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PRADA GUCCI na arena de Milão
Marcas que reinventaram o marketing fashion se "enfrentam" pelo cetro da moda
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ERIKA PALOMINO
EM MILÃO
De um lado, uma marca desenhada por uma mulher, ex-feminista italiana, casada com um
dos homens mais poderosos do
prêt-à-porter italiano (Patrizio
Bertelli). Mãe, à frente de uma talentosa equipe comandada pelo
diretor de estilo Fabio Zambernardi, com olheiros espalhados
em toda parte do mundo para trazer o que há de melhor e mais
fresco nos cinco continentes.
Do outro, um americano do Texas, à frente de uma das casas
mais tradicionais da Itália. Um
homem, formado arquiteto, assumidamente gay, casado com o
editor da "Vogue" masculina internacional, chamado Richard
Buck. Polêmico, arrogante, belo,
ambicioso, trombou com ninguém menos (a expressão é clichê, mas aqui funciona) do que
Yves Saint Laurent -o grande
mestre, vivo, da moda. É o objeto
de desejo de homens e mulheres
do mundo.
ROUND 1: Os dois surgiram da
indústria italiana de acessórios.
Ambos reinventaram o marketing de moda nos anos 90. Ou melhor: inventaram. Com a logomania, a cultura de exibir o logo em
todo lugar possível, identificando
imediatamente a procedência das
roupas e peças, eles instalaram em
todos a vontade de efetivamente
ter as roupas, despertando o desejo, e inverteram um fundamento
antes restrito ao comércio dos aeroportos. Quem queria aparecer
com uma roupa cheia de ícones e
marcas de grifes? Depois deles, cada um de nós, e isso passou a alimentar a indústria do luxo em todo o planeta. O que era antes brega ficou chique, e ostentar um nome (no caso, Gucci ou Prada) passou a ser motivo de adoração.
ROUND 2: Os grupos Gucci e
Prada dividem a cultura do estilo
no século 21. Ganham clientes,
fãs, amigos e inimigos no prêt-à-porter italiano. Fizeram jornalistas e fashionistas virem a Milão,
reinventando a época da alta-costura, como nos áureos tempos
dos anos 50 e 60... que não voltam
mais. Com isso, instalam a indústria dos megaconglomerados que
compram as pequenas marcas e
mudam radicalmente tudo o que
se entende por moda até então. As
duas grifes viram os protagonistas
de tudo, os gigantes do alto luxo.
ROUND 3: As duas marcas tomam caminhos diversos: Miuccia
vem com a cabeça, Tom com o
corpo, parafraseando a citação de
Arthur Miller de que ele era a
mente, e Marilyn Monroe, o corpo ("the brain and the body", eles
eram chamados). O casamento
perfeito. Como a moda italiana,
que precisa dessa ambiguidade
para sobreviver. Para muitos a
imagem da Prada é considerada
feia; para outros, a Gucci é considerada vulgar.
ROUND 4: Com o sexo e a mente, as vendas disparam, apoiadas
pela era Clinton, pelos viajantes
globais (sobretudo os orientais) e
o novo marketing -agora consolidado. Só se fala em luxo, luxury,
riqueza.
ROUND 5: Com o fim da era do
luxury total, o culto dos japoneses, o deslumbre comercial das revistas internacionais, Gucci e Prada têm de achar seu caminho para
o sol. Mais do que a massificação
imposta por eles mesmos em direção a uma abordagem mais pasteurizada da moda, as duas grifes
têm de encontrar um approach
que administre o comercial e o
criativo, sem querer estabelecendo a cara da temporada milanesa
na virada do século 21. Ninguém
merece: viramos uniformes, habitantes de uma aldeia fashion global sem identidade. As vendas
despencam.
ROUND 6: Verão 2004. A cada
temporada, criam-se abismos
conceituais entre as duas marcas.
Enquanto a Prada é intelectualizada, intensa, tensa, quase assexuada (num certo sentido), a
Gucci toma um caminho mais
acessível, o do corpo, do sexo.
Mesmo quando a estilista Miuccia
Prada percorre a trajetória do corpo, ela lê Catherine Deneuve, e
não Adriane Galisteu, entende o
perverso sexo das 18h, contra o
das 23h30, lê pernas desnudas
contra mamilos de fora.
ROUND 7: É quase impossível
não fazer escolhas. Ou o anel ou a
luva, como diria Cecília Meirelles.
E aqui estão as fashionistas mais
influentes decidindo se elas gostam do couro de crocodilo da Prada ou do acessório de cobra nos
braceletes e vestidos da Gucci. Todos burgueses, é certo: velhos e
novos, todos ansiando por praticar a procissão de fé da moda, instalada quando se apagam as luzes,
quando se senta Carine Roitfeld,
quando Anna Wintour ajeita pela
última vez seus óculos escuros gigantes.
ROUND 8: Viajantes globais,
lembrando Veneza e África, versus biker-chicks poderosas, siliconadas. Na arena de Milão, o
embate pode virar luta na lama,
euros contra dólares, ienes contra
reais.
ROUND 9: Estamos perto do final. Na saída dos dois desfiles, as
opiniões sempre se dividem. Gostei, não gostei. As mais experientes críticas de moda se traem e
acabam escolhendo as peças que
mais funcionariam em seus próprios quadris. Ah, a doce traição
da moda. Hormônios em guerra,
vemos dois mundos em xeque.
Girando, como a moda. Enquanto isso acontecer, o Planeta (Fashion) está salvo.
ROUND 10: A temporada em
Milão terminou ontem, totalizando cem desfiles da moda primavera-verão. A partir de amanhã, é
a vez de Paris ser invadida pelo
mundo fashion. Em Milão, quem
ganhou? Empate técnico, claro.
Até a próxima disputa do cinturão de ouro da moda. A gente se
vê em 2004. Ou antes mesmo, nas
melhores casas do ramo.
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