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Ironia de Vallejo rouba cena de Nooteboom
Em uma das mesas mais concorridas de ontem, holandês comenta a trama de livro enquanto colombiano alfineta Lula
Em mesa dividida com
Contardo Calligaris,
Alessandro Baricco diz que
ficção serve "para deixar
feliz quem a escreve"
MARCOS STRECKER
EDUARDO SIMÕES
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY
Foi difícil para o escritor holandês Cees Nooteboom concorrer com as tiradas irônicas e
boutades do escritor colombiano Fernando Vallejo na sexta
edição da Festa Literária Internacional de Paraty. Os dois participaram da mesa "Paraíso
Perdido", uma das mais concorridas até a noite de ontem.
Depois de Nooteboom e
Vallejo lerem trechos de seus livros "Paraíso Perdido" e "Despenhadeiro", respectivamente,
o holandês comentou a trama
de seu livro, que descreve a cultura dos aborígenes australianos e tem duas personagens
brasileiras. Já Vallejo, famoso
por suas postura iconoclasta e
anti-religiosa, começou dizendo que não ia falar mal de ninguém, "nem do papa nem de futebol nem do presidente".
Mas emendou: "Afinal, lá fora, na Flipinha, há milhares de
estudantes felizes. O presidente Lula já acabou com a fome
das crianças. Ele vai brevemente tirar dos dicionários a palavra desnutrição".
A mesa continuou nesse tom
até o final, com o holandês descrevendo seu processo criativo,
explicando sua literatura inspirada em viagens e, ocasionalmente, elogiando o colombiano, que precisou várias vezes explicar por que fazia uma literatura "raivosa".
Baricco e Contardo
Na mesa "Fábulas Italianas",
Alessandro Baricco falou das
influências que sua literatura
sofreu do pop e do rock'n'roll.
Para o escritor italiano, cujo recém-lançado "Sem Sangue"
não identifica onde a ação se
passa, "as histórias se apóiam
em um mundo que pertence à
mente, e não a um lugar físico".
Também integrando a mesa,
o psicanalista Contardo Calligaris, colunista da Folha, comentou como foi importante
descrever detalhadamente a
Itália em seu romance recém-lançado, "O Conto do Amor".
"A ambientação lá teve uma
função subjetiva de redescobrir o país, de onde fugi há 40
anos", disse.
Instigado por alguém na platéia a dizer para que serve a ficção, Baricco disse que serve
"em grande parte, para deixar
feliz quem a escreve". Já Contardo acredita que ela "tem a
função de enriquecer a ficção
da nossa vida".
Contardo falou ainda como
sua escrita foi afetada por sua
relação com Roland Barthes.
"Era uma pessoa deliciosa, foi
quem mais me influenciou,
porque era amigo muito próximo, e por conta de sua aspiração a ser escritor de ficção."
Literatura africana
Participando da mesa "Guerra e Paz", o escritor Pepetela
afirmou que tinha orgulho de
seu passado de guerrilheiro, de
"ter participado da guerra pela
libertação de Angola". Ele debateu com a escritora nigeriana
Chimamanda Ngozi Adichie,
que está lançando "Meio Sol
Amarelo", romance épico já
traduzido em 27 línguas que
tem como pano de fundo a
Guerra da Biafra.
O autor angolano, que já venceu o prestigioso Prêmio Camões, leu trecho de "Predadores", em que personagens mostram influência de Jorge Amado. Chimamanda defendeu a
boa escrita. Disse que os escritores devem ter liberdade para
escolher seus temas ("tenho
amigos que não se interessam
por política e isso é ótimo") e
afirmou que queria contar os
pequenos dramas humanos, já
que "as pessoas continuam se
casando e tendo filhos mesmo
durante a guerra". Segundo ela,
"o general por dentro continua
sendo um menino".
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