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o sumiço da papoula
Muito usada por descendentes europeus em strudels, tortas,
pães e bagels,
as sementes desapareceram do mercado
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
No início de abril, como faz
todos os anos há quase três
décadas, a fotógrafa paulistana
Anita Hirschbruch foi à Casa
Zilana, em Higienópolis, comprar sementes de papoula.
Festa de aniversário sem torta
de papoula, nem pensar.
Não encontrou. Ouviu algo
sobre uma proibição da comercialização do ingrediente. Estranhou. O que haveria de errado com as inofensivas sementes que aprendeu a apreciar,
ainda criança, como tantos outros descendentes de europeu?
Incrédula, rodou os lugares que
conhecia, do Mercado Municipal à Casa Santa Luzia. Em vão.
"Como é uma receita especial, herdada da minha avó alemã, sempre fiz só nos meus aniversários. Os amigos adoram,
esperam, cobram", conta Anita.
"Entrei em parafuso. Justo no
meu aniversário de 50 anos?"
Conseguiu encontrar, depois
de muita peregrinação, em
Jundiaí. Comprou o estoque
todo: 400 g. "Usei pouco mais
da metade na torta e não tenho
coragem de gastar o restinho."
O dilema da fotógrafa é compartilhado por donos de docerias e restaurantes. A minúscula semente, meio acinzentada e
de sabor peculiar, levemente
amargo, sumiu do mercado nos
últimos meses e, junto dela,
strudels, tortas, bagels e pães.
O calvário das papoulas
Ao contrário dos boatos que
se espalharam pela cidade, a
importação, a comercialização
e o consumo das sementes de
papoula não foram proibidos.
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária),
só "o cultivo da papoula (Papaver somniferum L.) é proibido"
porque "dá origem a entorpecentes, como heroína e ópio".
"A única maneira de a semente ser utilizada no país é
por meio de sua importação",
diz a gerente-geral de Inspeção
e Controle de Insumos, Medicamentos e Produtos da Anvisa, Marília Coelho Cunha.
É aí que começa o calvário...
Para importá-la, as empresas
têm de acatar regras de uma resolução de 2002, a RDC 239.
Entre as determinações, estão
a necessidade de 1) apresentar
um documento no qual conste
que as sementes "provêm de
cultivos lícitos"; e 2) provar que
se tratam de "sementes sem capacidade germinativa, ausentes de entorpecentes e não-oriundas de apreensões".
Apesar de essa resolução
mais rigorosa ser de 2002, o ingrediente só sumiu nos últimos
meses, com o fim dos estoques.
"Há um grande mal-entendido sobre a semente de papoula
por causa de sua origem e utilização. Ela vem da mesma planta com a qual se produz o ópio,
só que a semente não é narcótica. Mas alguns órgãos do governo não entendem o problema",
diz Paulo Reis, diretor-geral da
Fuchs Gewürze do Brasil, que
importava e distribuía as sementes para empresas como a
Bombay e a Cia. das Ervas.
Da última vez que a Fuchs
tentou importá-las, em 2007, a
carga demorou tanto para ser
liberada, que acabou estragando e teve de ser incinerada. "Isso tem causado grandes prejuízos", diz Reis. "Nós mandamos,
no ano passado e novamente
neste ano, toda documentação
necessária. Até agora, não tivemos resposta. Estamos esperando, ninguém quer correr o
risco de perder de novo."
E há esperança de que a papoula volte ao mercado? "Há
sim. Assim que [a papelada] for
liberada, vamos importar imediatamente", diz Reis.
O gestor de produtos da
Companhia das Ervas, Cláudio
Cury, diz que toda semana recebe solicitações: "Era um dos
produtos que eu mais vendia".
Queremos papoula!
Donos de restaurantes e docerias que usavam papoula em
suas receitas lastimam o sumiço. Quem pôde adaptou a receita, pôs outro ingrediente no lugar. Outros tiraram do menu.
No Bom Retiro, pelo menos
três casas sofrem com a falta
das sementes. A Doceria Burikita já não pode mais fabricar
seu doce mais emblemático, o
strudel de papoula. "Estou sem
fazê-lo desde o começo do ano.
Não tem substituto para a papoula", lamenta David Ben
Avram, proprietário da casa.
"Muita gente ainda vem procurar. Fico chateado por não poder servir um doce típico que
fazíamos há mais de 30 anos."
No Shoshi Delishop, o oznei
haman, doce feito com as sementes e servido no Purim, teve de ganhar outro recheio neste ano: geléia de ameixa preta e
nozes. Na Casa Menorah, a chalá já não é mais polvilhada com
papoula, e sim com gergelim
preto. A mesma solução foi
adotada na Bagel Factory.
No AK Delicatessen, o bolo
de limão com papoulas que tanto sucesso fazia, saiu de cena,
assim como um pão fininho
que levava as sementes. No Z-Deli, não há mais strudel de papoula. Por enquanto, só de maçã ou de framboesa. "Os clientes vivem perguntando se não
tem strudel de papoula", conta
Rosa Raw, sócia do Z-Deli.
"Quando as papoulas voltarem,
o strudel também retornará."
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