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comentário
Quero minhas papoulas de volta
ANNA VERONICA MAUTNER
COLUNISTA DA FOLHA
Todos os meus amigos
descendentes de europeus, especialmente
do Império Austro-Húngaro, viviam me pedindo:
bolo de papoula, torta de
papoula, panqueca de papoula, minhas especialidades. São doces com um estranho amargo que se mistura com um leve doce, sabor apreciado mais por
quem o comeu na infância.
No espaço da minha vida, só durante os trágicos
cinco anos da guerra é que
faltou papoula. Agora de
novo não tem papoula no
Brasil. Por quê? A importação está impossível. Não
se encontra em nenhum
lugar para comprar.
Meus amigos e eu lamentamos. Deve ter havido uma mutação genética,
para que nossas fronteiras
tenham se fechado à sua
importação, como se se
tratasse de veneno. Mas
não é, garanto.
Não sei que papoula estranha pode ser essa,
a proibida. Seguramente
não é a minha velha
conhecida, aquela que
se compra e vende livremente na Europa e nos
Estados Unidos.
Falei em mutação genética porque só ocorreu
aqui no Brasil. O perigo
ainda não foi descoberto
pelos outros países.
Essa impossibilidade
para liberar as sementes
pegou. Diz-se por aí, à boca
pequena, existirem sementes que germinam e
outras que não germinam
e que uma delas daria origem a um componente de
alguma perigosa droga.
As minhas tortas de papoula, feitas com papoula
de qualquer mercearia, do
Marais (bairro judeu de
Paris) ou Manhattan (Nova York), nunca me deram
qualquer barato, nem a
mim nem a qualquer
um que tenha comido
os meus doces.
Doceiras húngaras e
vienenses, até dois anos
atrás, aqui em São Paulo
mesmo, vendiam strudels
e tortas à vontade.
Justo essa restrição
tinha que pegar? Quero
minhas papoulas de volta,
senhores cria-regra!
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