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Em entrevista, diretor regional do Sesc defende que marketing cultural seja excluído das leis de incentivos
Reciprocidade é questão de acesso, diz Miranda
DA REPORTAGEM LOCAL
Arquiteto da política cultural
do Sesc em São Paulo nos últimos
19 anos, Danilo Santos de Miranda, 60, ainda guarda resquícios de
sua formação jesuítica. Seminarista em faculdade jesuíta até os 23
anos, onde estudou filosofia e
ciência sociais, acha que falta uma
certa "sinceridade" aos políticos
-como se a dissimulação não
fosse uma das essências desse jogo. Na entrevista a seguir, ele diz
que o marketing cultural deveria
ser excluído da lei de incentivos e
defende a contrapartida por meio
da difusão da obra, não de interferência em conteúdo. "Isso é censura, é fascismo", afirma.
Folha - Por que não aceitou o convite de Marta Suplicy para ser secretário da Cultura? Seria falta de
paciência para o jogo político?
Danilo Santos de Miranda - Não é
isso. Acho o jogo político complicado, e eu nunca testei-o para falar se tenho ou não paciência.
Uma vez fui convidado pelo Marcos Mendonça para pensar na
idéia de me candidatar a alguma
coisa. E achei que não era a minha
vocação. Tenho dificuldade, sim.
Folha - Por quê?
Miranda - Porque o jogo político
não é sempre muito aberto.
Folha - Falta franqueza?
Miranda - Falta, sim. Você não
pode, uma vez eleito, pensar na
próxima eleição como meta do
seu dia-a-dia. Eu me lembro de
uma fala do professor Milton Santos pouco antes de falecer. No lançamento de um livro dele, havia
uma pessoa candidata na fila de
autógrafos. E quando essa pessoa
chegou e disse: "Olha, eu sou candidato, gostaria de ter seu apoio",
ele virou-se e disse: "Meu filho, sai
dessa, você não vai a lugar nenhum atuando na política". Aquilo reafirmou um pouquinho meu
ponto de vista. Eu não tenho nada
contra pessoas da política. Na
época do convite da prefeita, eu tinha acabado de aceitar um compromisso com o presidente do
Sesc, que havia sido reeleito e me
chamou depois de aposentado
para continuar até 2010. Tive de
dizer não à Marta, mas gosto de
algumas idéias dela.
Folha - Quais idéias?
Miranda - Eles estão procurando
democratizar a cultura, levar para
a periferia os CEUs. Tem uma
proposta generosa por trás disso,
que junta cultura e esporte e é
mais ou menos o modelo que nós
realizamos. É um desafio enorme.
Não basta construir. Tem de
construir e fazer a programação
funcionar. Agora, a cidade tem
problemas, tem carências enormes. Não temos áreas verdes,
equipamento cultural adequado.
Folha - O que o senhor achou da
discussão sobre contrapartida social que surgiu no governo Lula?
Miranda - Acho vital. Recursos
públicos utilizados para qualquer
finalidade, em qualquer área, têm
de ter contrapartida. Só que a
contrapartida não pode ser estabelecida a partir de uma ingerência no assunto, no modo de fazer,
na temática. Isso é censura, é fascismo, não tem o menor sentido.
Folha - Como se estabelece, então, a reciprocidade?
Miranda - Reciprocidade é uma
questão de acesso, é permitir que
o bem cultural atinja o maior número possível de pessoas. Não se
pode confundir acesso com assunto. No assunto não tem de se
meter. No acesso é claro que tem.
Folha - Edital pode mencionar o
Fome Zero, como o da Eletrobrás?
Miranda - Isso é bobagem, isso é
um absurdo. O edital está errado.
Folha - O sr. acha justo empresas
usarem dinheiro público, por meio
da isenção de impostos, para criar
centros culturais que acabam funcionando como instrumento de
marketing delas mesmas?
Miranda - Se funcionam como
instrumento de marketing, não
acho justo. Isso tem de ser absolutamente abolido. Existe gente que
usa esse recurso de maneira muito adequada, mas pode haver casos de algumas empresas que utilizam esses recursos para valorizar o próprio nome. É uma questão grave que precisa mudar.
Folha - Como?
Miranda - Precisa separar clara,
objetiva e nitidamente a questão
do recurso utilizado para publicidade, o marketing cultural, do incentivo cultural vinculado a políticas públicas. Isso tem de ser bem
definido. Acho ótimo ter verba de
publicidade colaborando na
questão cultural. Mas a verba de
incentivo cultural, aquela que você retira do seu imposto, tem de
ser utilizada com objetivo de caráter público e não com o objetivo
de caráter privado. E eu considero
publicidade objetivo de caráter
privado. Há um uso indevido.
Folha - Já ouvi comerciários reclamarem que a programação do Sesc,
às vezes, é sofisticada demais em
relação à clientela. O sr. leva a sério
essas críticas ou isso é bobagem?
Miranda - Acho que falta muitas
vezes perceber a amplitude da
nossa intenção. Uma programação cultural como a nossa tem de
contemplar todas as tendências.
Tem de ser diversa para valer,
desde que haja respeito, qualidade e não seja contemplada por outros centros culturais. Tem um
exemplo muito interessante sobre
isso. Há alguns anos, Merce Cunningham fez uma apresentação
do que há de mais contemporâneo na dança mundial no Sesc
Pompéia. Recebeu tratamento de
primeira em som, luz, infra-estrutura e divulgação. Foi ótimo. Uma
semana depois, apresentou-se lá o
grupo de teatro da favela Monte
Azul com o mesmo tratamento de
luz, de som, divulgação e lotou
igual. Você vai no domingo de
manhã no Sesc Interlagos e tem
pagode. À noite, na Vila Mariana,
tem o pianista cubano Gonzalo
Rubalcaba, sofisticadíssimo, e
João Bosco. É bárbaro.
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