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MÔNICA BERGAMO
Bel Pedrosa/Folha Imagem
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O jornalista Joel Silveira, 85, autor da reportagem "Grã-finos em São Paulo", de 1943, que agora chega ao livro |
O dia em que a sociedade paulistana tremeu
Fifi, Lili e Lelé dividem seu dia
entre acordar tarde, almoçar
em bloco, jogar pife-pafe,
comprar a revista "Sombra", tomar chá na livraria Jaraguá, jantar no Papote e falar das amigas.
Os rapazes se vestem muito
bem e telefonam. À noite, vão a
festas nos palacetes da Paulista.
Estamos em São Paulo na década de 40, mais precisamente
em 1943, quando a sociedade
paulistana vive sua fase mais
efervescente, enriquecida pelo
dinheiro das fábricas, por sua
vez em plena atividade por conta da guerra. Os grã-finos, para
usar um termo da época, são
formados por industriais, famílias quatrocentonas, arrivistas.
Tudo vai bem. Até que entra
em cena o repórter Joel Silveira,
então com 26 anos. Nascido em
Lagarto (SE) e baseado no Rio,
ele vem a São Paulo com uma
missão: mostrar sem dó nas páginas da prestigiosa "Diretrizes", dirigida por Samuel Wainer (1912-1980), como vivem e o
que pensam os endinheirados.
Veio, viu, contou e foi embora
correndo, deixando o rastro de
uma bomba atômica no seio do
high society piratininga. De
quebra, ajudou a criar um gênero que depois daria no chamado
novo jornalismo, as grandes reportagens escritas com requinte
de bons romances. A história
está em "A Milésima-Segunda
Noite da Avenida Paulista", que
chega às livrarias esta semana.
Silveira, 85, hoje vivendo no
Rio de Janeiro, lembra da história com um sorriso. Batizada de
"Grã-Finos em São Paulo", não
poupou ninguém, nenhum dos
"quatro grupos", como ele os
dividiu: os quatrocentões, a "reserva" (os atuais ascendentes), o
"estribo" (os alpinistas sociais) e
o "quarto grupo" (intelectuais).
Os primeiros são "criaturas
repletas de antepassados, aqueles senhores heróicos e sem
muitos escrúpulos que rasgaram as matas de São Paulo. (...)
Morreram todos, (...) mas deixaram seus descendentes um
presente régio: (...) um cartão de
visitas, espécie de permanente
com o qual um Prado, um Leme
e um Alves de Lima podem entrar em tudo sem pagar nada".
Acostumada a ser tratada com
condescendência e devoção pelo colunismo social, assinado
por nomes como "Jerry" e
"Blim", a elite se revoltou. Leu a
reportagem avidamente -foi o
primeiro número da revista a tirar duas edições- e se revoltou.
Um grupo chegou a tomar o saguão do hotel em que Joel Silveira se hospedava, no Centro, e o
ameaçou fisicamente. Não fosse
a intervenção do pessoal do
Centro Acadêmico 11 de Agosto, e o final não seria feliz.
Literalmente expulso, Silveira
voltou ao Rio e ganhou fama nacional. O próprio presidente
Getúlio Vargas (1883-1954) lia e
relia para os amigos a reportagem, às gargalhadas. O caudilho
gaúcho se considerava "esnobado" pela elite paulistana.
A coluna revisitou quatro dos
lugares mais citados pelo texto
como os "points" da época: dois
viraram estacionamento, um foi
demolido e o outro mudou de
função. Tentou ainda localizar
personagens citados, mas quase
ninguém sobreviveu.
A maioria dá hoje nome a ruas
e edifícios, como Iolanda Penteado e Irene Crespi. Quem não
está no livro mas poderia lembrar do incidente não faz questão. É o caso de Filomena Matarazzo Suplicy, 94: "Esta revista
nunca entrou em nossa casa".
O AUTOR
'A mundanidade não existe mais'
Hoje recuperando-se
em seu apartamento de
Copacabana de uma catarata que o impede de ler
vários jornais e revistas
por dia, como gosta, Joel
Silveira se vira com a TV.
Assiste (ouve) todos os telejornais nacionais, inclusive os dos canais pagos.
Ao voltar ao Rio naquele
ano de 1943, o repórter virou celebridade. Logo, o
maior empresário de comunicação de então, Assis
Chateaubriand (1892-1968), o mandou chamar.
Contratado, Silveira foi
enviado para cobrir a Segunda Guerra, quando
ouviu a famosa frase de
Chatô: "O senhor não me
morra, senhor Silveira!
Não me morra! Repórter é
para mandar notícia!"
Voltou vivo e nunca
mais parou. Casado há 60
anos, com dois filhos, dois
netos e dois bisnetos, fala
com lucidez de qualquer
assunto da atualidade.
Folha - O sr. é um mito vivo
do jornalismo.
Joel Silveira - "Você", por
favor, não me deixe mais
velho. Posso ser mito vivo,
mas já estou tombado.
Folha - De quem foi a idéia
da reportagem "Grã-finos
em São Paulo"?
Silveira - Minha. Nasceu
de uma conversa com o Di
Cavalcanti (1897-1976).
Quando a guerra explodiu
na Europa, ele morava lá
e teve de sair, veio para o
Brasil. E tentou ser aceito pela sociedade paulistana, naquele tempo
muito fechada, muito
restrita. Não foi. Um
dia, me contou as coisas da grã-finagem, eu
disse, poxa, isso até
que dá uma reportagem. E deu.
Folha - Você esperava aquela reação?
Silveira - Não. Um
grupo de grã-finos
me cercou no hotel e não
queria me deixar sair para
ir ao aeroporto. Mas o pessoal do Centro 11 de Agosto, com quem eu me dava,
foi me ajudar. Iam liderados por um jovem de nome
Jânio Quadros (1917-1992),
que era quartanista de Direito na São Francisco. Eles
me levaram ao aeroporto e
garantiram minha fuga, só
deixando o local quando
o avião subiu. Se não fosse assim, teria sido aquela
surra (risos)...
Folha - Acompanha as
colunas sociais hoje?
Silveira - Não há mais
colunas sociais como o
Ibrahim Sued (1924-1995) fazia. Hoje são
colunas informativas,
ninguém se interessa
mais em saber que Fulano casou com Sicrana, que foi visto bebendo não sei onde, isso
acabou. São colunas realmente informativas, que
chegam inclusive a dar furos. A mundanidade não
existe mais, acabou.
Folha - Para não fugir ao
clichê: qual reportagem o sr.
gostaria de fazer hoje?
Silveira - Eu procuraria o
Saddam Hussein. Fazer
uma entrevista com ele onde estivesse. Seria a grande
entrevista de hoje, não tem
dúvida, não tem outra.
Folha - Cobriria a Guerra
do Iraque?
Silveira - Olhe, não sei.
Cobri a Segunda Guerra,
que foi uma guerra justa,
afinal de contas Hitler tinha
de ser derrubado de qualquer maneira, era uma perversão política, moral. Mas
essa guerra do Iraque foi
uma guerra sem sentido. os
EUA poderiam ter resolvido o caso de outra maneira,
com embargo, tentando revolução interna...
@ - bergamo@folhasp.com.br
SÉRGIO DÁVILA (INTERINO)
COM CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME
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