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CINEMA
O cineasta Bernardo Bertolucci filma o despertar sexual de três jovens na Paris rebelde de 1968 em seu "The Dreamers"
Em busca do tempo
DIDIER PERON
DO ""LIBÉRATION", EM VENEZA
A sessão de pré-estréia de ""The
Dreamers" (Os Sonhadores), o
novo filme do italiano Bernardo
Bertolucci, no Festival de Veneza,
na última semana, estava mais do
que lotada, e foi preciso ameaçar a
bilheteira com um processo para
conseguir me infiltrar na sala Palagalileo.
Adaptação de um romance de
Gilbert Adair (""The Holy Innocent", de 1988), a história de ""The
Dreamers" acontece em Paris, na
primavera de 1968. O jovem Théo
(Louis Garrel) e sua irmã gêmea
Isabelle (Eva Green) conhecem o
estudante americano Matthew
(Michael Pitt), na Cinemateca.
Imediatamente, o trio se une e
não quer mais se separar. Aproveitando a saída de seus pais em
férias, Théo e Isabelle convidam
Matthew para ficar com eles em
seu gigantesco apartamento no
bulevar Raspail. Os ruídos vindos
de fora -as greves estudantis e
operárias, as batalhas campais
contra a polícia de choque e o pânico do governo- formam, para
esses novos ""enfants terribles",
uma trilha sonora excitante para
acompanhar seus embates cada
vez mais suados e bissexuais.
Em ""The Dreamers", a dimensão da reconstituição histórica
(manifestação em favor de Langlois, revoltas e coquetéis Molotov no Quartier Latin) recebe tratamento propositalmente secundário, em benefício da experiência íntima dos jovens em plena
efervescência hormonal.
Leia a seguir trechos da entrevista com o diretor.
Pergunta - Por que ""The Dreamers"?
Bernardo Bertolucci - Depois de
""O Pequeno Buda", em 1993, voltei à Itália com a idéia de fazer
uma sequência de ""1900", tratando da segunda metade do século
20. ""1990" foi levado pelo vento
político dos anos 1970. Acontece
que o sentimento coletivo que alimentaria o filme não existia mais
no início dos anos 90.
Assim, desisti da idéia, que acabou mostrando ser mais sentimental do que pontual. Mas dez
anos se passaram desde então, e a
consciência política atual me assusta a tal ponto que, depois de ler
um livro de recordações de estudantes em Paris em maio de 1968,
""The Holy Innocent", de Gilbert
Adair, tive vontade de usar a câmera como máquina para reproduzir o tempo. Eu quis fazer três
jovens de hoje embarcarem nessa
máquina e confrontá-los com um
passado do qual não sabiam praticamente nada.
Pergunta - As primeiras imagens
mostram um jovem cinéfilo americano, Matthew (Michael Pitt), na
Cinemateca. ""Só os franceses poderiam colocar um cinema dentro
de um palácio", diz ele. É você?
Bertolucci - Eu sou um pouco os
três personagens, devorador de
filmes na Cinemateca do palácio
de Chaillot, alimentado ao seio
por Henri Langlois, loucamente
apaixonado pela cultura francesa.
Chego em Paris em 1964-1965
com meu "Antes da Revolução".
Langlois queria exibi-lo logo
após a projeção oficial na Semana
da Crítica em Cannes. Eu vivi
maio de 1968 por procuração,
pois estava filmando em Roma
com Pierre Clémenti. Pierre voltava a Paris todos os finais de semana e, na segunda-feira, me contava tudo no próprio set. Assim,
maio de 68 se tornou ainda mais
mítico para mim, graças a esse relato. Eu quis iniciar ""The Dreamers" na Cinemateca porque ela
ocupa o epicentro de minha visão
do cinema, de minha formação,
da política, como uma universidade universal dos cineastas.
""The Dreamers" é a homenagem
a Langlois, a maio de 68, o retorno
a minha juventude e a meus engajamentos.
Pergunta - Como injetar o espírito de 68 em jovens atores nascidos
15 anos depois?
Bertolucci - Mostrei a eles muitas
imagens de arquivo. Com a exceção de Louis Garrel, eles não sabiam realmente nada sobre a época. O que é pior -1968 ainda é,
para eles, sinônimo de fracasso,
de derrota, é algo ultrapassado.
Os jovens de hoje não têm consciência daquilo que devem ao espírito de 68: que é simplesmente a
sua liberdade atual.
Hoje existe uma carência terrível de senso de história. A esquerda européia não consegue mais
transmiti-lo à juventude de hoje.
Ela deveria reler Gramsci!
Pergunta - O que disse Godard
quando você pediu para usar alguns segundos de "Bande à Part" e
de "Acossado"?
Bertolucci - Eu tinha a autorização de sua distribuidora, mas
queria sua própria autorização.
Mandei um fax. Ele me respondeu: ""Tome o que você quiser.
Não existem direitos autorais,
apenas deveres". É um conselho
imensamente ""sublimíssimo",
como se dizia 1968.
Tradução Clara Allain
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