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CRÍTICA
O sorriso amarelo das pegadinhas
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Um garoto de aparelho nos
dentes é parado por dois
policiais. Estão fazendo testes de
teor alcóolico no sangue, dizem,
e ele deve soprar num tubo. Ele
acede e, ao soprar, os "seios" da
policial "crescem". O garoto, claro, suspeita que seja uma pegadinha, mas diante de seu olhar entre atônito e divertido e de suas
tentativas de fazer sentido ("peraí, os peitos dela cresceram"),
começa a intimidação.
O policial avisa -"Você está
com teor alcóolico elevado no
sangue"-, admoesta -"Como
é que se fala?"-, nega a brincadeira. O garoto sabe que aquilo
não pode ser sério, mas não tem
certeza. Hesita, balbucia, acata a
autoridade, mas, fundamentalmente, está consciente de fazer
papel de bobo. Ele ri, ri de si mesmo por ser tolo, ri amarelo pelo
temor às "autoridades", ri envergonhado por prever a gozação
dos conhecidos.
É só um exemplo, poderia ser
outro qualquer. O fato é que elas
estão em toda parte, as pegadinhas. Recurso barato para preencher o tempo, quase não há programa de variedades ou de auditório sem elas.
Os "roteiros" variam muito
pouco, quase nada -basicamente, lidam com a reação das
pessoas diante de situações inusitadas, de alguma forma fora de
ordem. Um homem pede um café no bar, e o balconista mexe o
café com o dedo; uma pessoa pede uma informação na rua, e
uma segunda pessoa pisa numa
poça d'água de modo a molhar
aquele que parou seu caminho
para tentar ser gentil e por aí vai.
Para além daquilo que muito já
se disse sobre elas -a incitação à
violência, a exploração de estereótipos e preconceitos, o desconforto moral e emocional de
ter reações espontâneas registradas para a TV-, há um dado
que parece ter escapado às análises (e críticas). É que as pegadinhas, de alguma maneira, são engraçadas.
Nem sempre o humor tem origem em sentimentos ditos elevados. No mais das vezes, o riso
vem da porção mais sórdida da
natureza humana. O susto, o
constrangimento e até a dor
alheia são tradicionalmente motivos de riso -palhaços e atores
de comédias pastelão sabiam disso muito antes das pegadinhas.
O diabo é que de um princípio
que poderia ser até razoável em
termos de apelo humorístico deriva-se um universo das piores
intenções -a reiteração sistemática do ridículo do outro-
movido pelo mais reles dos motivos -o dinheiro que se economiza lançando mão de pegadinhas em vez de atrações menos
primárias.
PS: A coluna da semana passada foi escrita antes que as cenas
de Madonna beijando Britney
Spears e Christina Aguilera na
entrega dos prêmios da MTV
norte-americana, o VMA, tivessem corrido o mundo. O zelo
moralista da Rede Globo, ao impedir o beijo de Aline Morais e
Paula Picarelli, acabou deixando
a MTV brasileira com uma leve
cara de tacho.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
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