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CRÍTICA
O fim do futuro utópico
ALEXANDRE MATIAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Debruçado em Dashiel
Hammett e Raymond Chandler, William Gibson conduz a
ação de seu primeiro romance tecendo descrições e monólogos interiores, à medida que assume sua
cumplicidade com a rua. Mas isso
é só metade da tensão de "Neuromancer". A outra metade é definida nos cortes rápidos e no ritmo
de texto, influência dos cut-ups de
William Burroughs e da narrativa
fragmentada dos livros apocalípticos de John Brunner.
Relacionando universos marginais idos e a acontecer, "Neuromancer" parece sintetizar o fim
do futuro Jetsons -clean e utópico- melhor do que seus contemporâneos. E isso colocando-o ao
lado de nomes de peso pop, como
o noir "Blade Runner" e os filmes
de ação "Robocop" e "O Exterminador do Futuro". O fato de ter sido publicado no orwelliano 1984
foi apenas uma cereja em sua lista
de feitos. A obra também foi a primeira a ganhar os três principais
prêmios da ficção científica.
Mas, mais do que um corre-corre pós-tecnófilo fora-da-lei, a
obra atravessa pela primeira vez
um estado de consciência antes
apenas cogitado pela ficção: a interiorização do inconsciente humano. Batizando esse universo de
"ciberespaço", Gibson atravessa a
barreira final da consciência individualista fragmentada do romance do século 20 e tenta desvendar a consciência coletiva.
"Uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões de
operadores autorizados, em todas
as nações, por crianças aprendendo altos conceitos matemáticos...", descreve, entre a minúcia
de inspeção e o dialeto de mídia.
A nova edição de "Neuromancer" (que repara a terrível tradução da primeira versão) não só supre a ausência do título no Brasil,
como abre um precedente editorial para o mercado de ficção científica por essas bandas. O gênero,
que sempre esteve em segundo
plano aqui, nunca teve algumas
obras fundamentais vertidas para
cá. Eis uma oportunidade para
trazer o metaverso de "Snow
Crash", de Neal Stephenson, ou
mesmo a coletânea "Mirrorshades", organizada por Bruce Sterling em 1986. E até mesmo clássicos há tempos longe das prateleiras, como Ballard, Burroughs, K.
Dick, os fins de mundo imaginados por John Brunner...
Neuromancer
Autor: William Gibson
Editora: Aleph
Quanto: R$ 39 (309 págs.)
O jornalista Alexande Matias traduziu a
coletânea "Futuro Proibido" (ed. Conrad)
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