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LIVRO/LANÇAMENTO
"100 Melhores Histórias Eróticas" compila textos na tênue fronteira entre o provocante e o obsceno
Antologia desnuda explicações para o amor
Eduardo Knapp-1.jul.96/Folha Imagem
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Sensualidade em pequenos detalhes é o tema de textos de "100 Melhores Histórias Eróticas" |
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
O livro "100 Melhores Histórias Eróticas da Literatura
Universal", seleção, introdução e
notas de Flávio Moreira da Costa,
com a colaboração de Celina Portocarrero, não dá para ser lido numa única sentada.
O catatau de 640 páginas talvez
sirva à curiosidade, à consulta e,
ops, à libido. Há muitas ausências.
É evidente. Numa seleção como
esta, ousada e subjetiva, a unanimidade é uma causa perdida.
Costa foi cuidadoso em não destacar os cem melhores contos ou
as cem melhores histórias. Apenas indicou: "100 Melhores".
Uma antologia como esta tem sua
escolha contaminada pela liberação de direitos autorais -mais de
20% dos textos não estão sob domínio público.
Há trechos de romances e poemas, o que é insólito, dirão os leitores mais exigentes, pois retiram
textos de uma obra, que vieram
com as amarras de uma trama,
um enredo, um contexto. Mas são
histórias dentro de histórias.
O conceito de erótico é amplo,
desgraçadamente cheio de escrúpulos, incomoda e excita, causa
curiosidade e, antes de tudo, vende bem à beça. Já levou muito escritor à prisão ou a sanatórios.
Está lá João do Rio, com "Penélope", carioca justamente recuperado. Mas não está seu discípulo
mais notório, Nelson Rodrigues,
o Anjo Pornográfico.
Charles Bukowski, herdeiro dos
beats, não é citado. Logo ele...
Nem seus herdeiros brasileiros
contemporâneos, como Paulo Leminski e Reinaldo Moraes. Está
Caio Fernando Abreu, com "Sargento Garcia". Está o genial Domingos Pellegrini, autor que deu
uma sumida e enviou um conto
inédito, "Um Passeio pelo Rio".
Os poemas eróticos de Drummond não são lembrados; muitos
deles revelados após a sua morte.
Mas o Vampiro de Curitiba, Dalton Trevisan, tem duas histórias
publicadas, "Cântico dos Cânticos" e "Mister Curitiba".
O Bruxo do Cosme Velho aparece, lógico, com dois contos. Machado de Assis tem um erotismo
sem disfarces em grande parte de
sua obra. Escrevia também para
isso, para ruborizar as moçoilas
que liam seus folhetins. E há uma
observação na apresentação de
"Uns Braços" bastante enfática.
Diz o autor da coletânea que
"Uns Braços" e "Missa do Galo"
são dois de seus melhores contos,
"segundo qualquer estudioso
bem informado". Não sei se todos
os estudiosos bem informados
compartilham do mesmo gosto.
Porém quem se propõe a encarar uma coletânea como esta, com
tanta gente espiando, deve assumir riscos. E Costa foi corajoso e
bem-sucedido, especialmente na
reedição de textos esquecidos e
desconhecidos.
Começou onde? Grécia, Platão
("O Banquete"). Depois, Ovídio
("Arte de Amar") e Petrônio
("Satyricon"). Passou pelo "Cântico dos Cânticos", "Kama Sutra"
e "As Mil e Uma Noites".
Indicou erotismo no notório
travado Marcel Proust. Selecionou um trecho de "No Caminho
de Swann" em que o narrador define o sadismo, num encontro entre duas amigas -uma delas,
srta. Vinteuil, pede para a outra
cuspir no retrato do pai que só viveu para ela.
"As sádicas do tipo da srta. Vinteuil são seres tão puramente sentimentais, tão naturalmente virtuosos, que até o prazer sensual
lhes parece algo de maldoso, privilégio dos malvados. E, quando
permitem a si mesmos se entregarem a eles por um momento, é na
pele dos maus que tentam se pôr e
de fazer entrar seu cúmplice..."
Não poderia faltar texto daquele
que virou sinônimo de homem
conquistador, como o perseguido
Casanova ("Sedução de Menor").
Porém fez uma leitura radical
dos sonetos 57 e 58 de "The Slave
Sonnets", de Shakespeare, como
exemplos do imaginário masoquista, que, na verdade, tratam de
um amor submisso às extremas,
sempre esperando ("meu amor
obedece a teu desejo e, cego, busca o mal que nele vejo"), amor
que escraviza facilmente, como a
maioria deles.
Lembrou rimas de gosto duvidoso, como a do romântico Álvares de Azevedo ("oh, quem pintara o cetim, desses limões de marfim"), destacou erotismo no encontro de Basílio e Luísa ("O Primo Basílio"), do fora-de-moda
Eça de Queirós, e num trecho de
"O Ateneu", de Raul Pompéia,
numa paixão pra lá de suspeita
entre dois internos.
O autor afirma que a idéia surgiu há 20 anos, a partir de um título-trocadilho: "Eros uma Vez".
Aponta a dificuldade em definir o
que é erótico, obsceno e pornográfico, já que tais conceitos mudam com o tempo e ideologias.
Eros, na mitologia, é o deus do
amor. Voluptas, seu filho com
Psiquê, sim, simboliza o prazer, a
volúpia. O autor lembra uma frase de Godard: "Tudo o que se mexe é pornográfico".
E não é? Zeus descobriu a forma
da humanidade existir sem insubordinações, enfraquecendo-a,
cortando cada ser em dois. Cada
metade sentiria saudades da outra. E procurariam sempre se juntar, envolvendo-se com os braços
e se enlaçando, para se unificar.
Erotismo é abrangente, não deve ser confundido com erotismo
genital. O problema é o que cada
texto provoca na cabeça do leitor.
Se é obsceno, isto é, fora de cena,
às escondidas, é de cada um o julgamento. Mas, juntando os cacos,
forma-se a mesma figura: procurar explicações para o amor.
100 Melhores Histórias Eróticas
da Literatura Universal
Autor: Flávio Moreira da Costa (org.)
Editora: Ediouro
Quanto: R$ 69 (640 págs.)
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