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MÔNICA BERGAMO
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Os 2.000 veículos que passavam pela Rebouças nos horários de pico são agora obrigados a cruzar um trecho da antes bucólica Sampaio Vidal, no Jardim Europa |
A rua dentro de casa
"Ai, que desespero!", reagiu a
empresária Adriana Gelpi,
moradora da rua Sampaio
Vidal, no Jardim Europa, ao receber a notícia, na semana passada, de que acabara de surgir a
primeira vendedora ambulante
na via. Francisca Constância, 53,
que tinha sua barraquinha de
doces e refrigerantes na avenida
Rebouças, mudou-se para a
Sampaio porque os pontos de
ônibus, e a clientela, também foram para lá.
Em obras desde o início de janeiro, a Sampaio Vidal, que antes era uma rua bucólica, onde
era possível, segundo a moradora Eliane Kuperman, "deitar
no meio da rua", virou de cabeça para baixo. Na semana passada, com a volta às aulas e as chuvas, as coisas pioraram.
Pela rua, para onde foi desviado o trânsito da Rebouças, passaram 2.000 carros no horário
de pico e ônibus de 32 linhas diferentes. Na quarta, no sinal da esquina da rua Maria Carolina,
quase 20 motos se aglomeravam quando o farol ficava vermelho. Na hora do rush, um
Fiesta bateu numa delas e derrubou o segurança Elton Lemos, que foi socorrido por uma
ambulância.
Dentro das casas, a situação
também mudou. "Parece que os
ônibus estão dentro do meu
apartamento", diz Márcia Toniollo, gerente da grife Raya de
Goeye. Ela mora em um dos
prédios mais charmosos da rua,
o edifício Rebeca -mas está
procurando apartamento em
outra rua. Até o morador
Eduardo Suplicy, senador e ex-marido da prefeita Marta Suplicy, admite o incômodo.
"Meu sono tem estado um pouco mais agitado", diz.
Na tarde de quarta-feira, alguns moradores se reuniram
para dividir seus problemas. A
arquiteta Eliane Kuperman
contou que já está destruindo o
jardim de sua casa para abrir
uma segunda vaga de garagem.
É que ela deixava um dos carros
na rua, na maior tranqüilidade.
Hoje, o estacionamento na via é
proibido, para não atrapalhar o
fluxo de carros. Eliane também
colocou cortinas nas janelas.
"Os passageiros dos ônibus davam tchauzinho para a gente",
afirma.
A psicóloga Antonella Montesoro, 39, mudou com o marido
para um quartinho no fundo de
sua própria casa. Eles não conseguiam dormir por causa do
barulho. A dona-de-casa Gisela
Imperatrice optou por um protetor auricular. "Não escuto nada que meu marido fala", diz. A
Sajep (Sociedade dos Amigos
dos Jardins Europa e Paulistano) pediu na Justiça a paralisação da obra. Os moradores adotaram até o hábito do índio Juruna, que gravava as autoridades para depois cobrar delas a
realização de promessas. Eles levam gravadores nas reuniões
com a Subprefeitura de Pinheiros e a Emurb.
Instalada no número 886 da
Sampaio Vidal há 38 anos, a rotisserie Frangão, que vende
aves, pratos prontos e enlatados, foi colocada à venda, no
ano passado, por R$ 120 mil. No
fim do ano, quando funcionários da prefeitura começaram a
pintar faixas para a mudança de
trânsito e o início das obras, o
dono, Pedro Martins, 67, baixou
o preço para R$ 90 mil. Diz que
teve seis propostas. Com o desvio do trânsito, todos desapareceram. Como não pode mais estacionar sua caminhonete na
rua, resolveu colocar o carro
dentro do Frangão mesmo. "O
movimento caiu 70%. Estou
prestes a fechar."
O bar do Léo, de Leonel Nunes, 47, vendia três bules de café
pela manhã. "Agora faço um e
sobra", diz ele. Na tarde de terça, as bandejas de salgados do
boteco estavam cheias. "Antigamente, nessa hora, já estava tudo vendido." Os clientes sumiram porque não podem mais
estacionar por ali, e Nunes já demitiu um balconista.
Há, porém, o coro dos contentes, estabelecimentos comerciais que comemoram a confusão. O restaurante Mercearia do
Conde conseguiu ter mais lucro.
"No fim da tarde, quando há
muito trânsito, as pessoas acabam parando mais por aqui",
diz o gerente Fabiano Galhardo.
A antiquária Juliana Benfatti,
que acabou de instalar sua loja
na Sampaio, reclama do barulho, mas está feliz. "Foi um privilégio. Agora todo mundo vai
conhecer o novo endereço."
Quando algum morador quer
se lembrar dos velhos tempos
de paz, caminha até o começo
da rua -o trecho que absorveu
o trânsito da Rebouças acaba
antes dali. O DJ Clemente Napolitano, por exemplo, não se
queixa da mudança -só da
proibição de estacionar carros
na rua. Ele conta que, há duas
semanas, precisou contratar um
serviço de manobristas para receber 40 amigos em casa.
E-mail: bergamo@folhasp.com.br
COM ALVARO LEME (REPORTAGEM)
E CLEO GUIMARÃES
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