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MÔNICA BERGAMO
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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Os acadêmicos no chá das cinco na semana passada, com pastéis, bolo inglês e curau diet; a cadeira da cabeceira é considerada amaldiçoada e sempre fica vazia |
O ABC da Academia
Elas vieram de Recife, Goiânia, São Paulo e Brasília, com
vistosas jóias e seus longos
vestidos vermelhos, pretos,
azuis e dourados; eles, de black-tie. Em grande estilo, mais de
600 pessoas tomaram a Academia Brasileira de Letras, na segunda-feira passada, para a posse do mais novo imortal da Academia: Marco Maciel, o 231º
desde a fundação, em 1897.
Foi o triplo do número de pessoas que em geral prestigiam as
posses. Maciel enviou convites
para mais de mil "amigos" de
todo o país. Em Pernambuco,
foi além: declarou aos jornais
que conterrâneos poderiam entrar na cerimônia sem convite
nem nada. Bastava chegar, dizer
que era pernambucano e pronto. O vice-presidente José Alencar foi, o presidente do Senado e
também imortal José Sarney foi,
além do prefeito Cesar Maia, e
de senadores e deputados como
Paes Landim, do Piauí, Pauderney Avelino, do Amazonas, e
Ronaldo Caiado, de Goiás.
"No nosso casamento, ele
convidou 5.000 pessoas. Ficamos horas e horas cumprimentando os convidados no meio da
rua", divertia-se Joel Braga, genro de Maciel, que liderava uma
caravana de personalidades vindas de Goiás.
O nervosismo antes da posse
foi grande: dias antes do grande
evento, Ana, a mulher de Maciel, atendeu a um telefonema
de Francesco Rosalba, o alfaiate
que faz os tradicionais fardões
da Academia: caso não recebesse do governo de Pernambuco
os R$ 50 mil que estava cobrando pelo fardão, simplesmente
não entregaria a roupa da festa.
"Ele fez uma grosseria", diz o
presidente da ABL, o poeta Ivan
Junqueira. "Falei delicadamente
que, como ele tinha muito prestígio, eu esperava receber o dinheiro rapidamente, e não estava sendo assim", diz o alfaiate.
O fardão só foi entregue na
sexta-feira, quando o dinheiro
caiu na conta. Agora, os acadêmicos querem acabar com o
monopólio de Rosalba no atendimento aos imortais.
Os fardões verdes já foram de
camurça de lã e hoje são feitos
em gabardine inglesa com bordados de fios de ouro francês.
Mas já houve quem ignorasse a
regra. O escritor Ariano Suassuna, que tomou posse em 1990,
fez questão de contratar uma
costureira pernambucana para
fazer o seu fardão.
"Muito jeca a posse de Suassuna", definiu na época, no título
de um texto, o colunista Ibrahim Sued. "O senhor Suassuna
trajava um fardão em tecido leve, quase preto, com bordados
diferentes do modelo acadêmico, um horror, muito jeca", relatou Ibrahim, para quem Suassuna quebrou "os rituais que fazem a glória da casa de Machado de Assis".
A ABL, de fato, preza suas tradições e lendas. Uma iniciativa
da jornalista Cecília Costa, mulher de Ivan Junqueira, presidente da ABL, por exemplo, foi
vetada. Ela queria fazer um animado baile de máscaras para
comemorar o centenário da morte de
Carolina, a mulher
de Machado de Assis. As pessoas dançariam entre os bustos de poetas românticos e quadros de
Portinari no Petit
Trianon, o prédio
que foi doado pelo
governo da França à ABL.
Cecília, que é jovem e expansiva, também chocou alguns
imortais ao brincar com a idade
dos acadêmicos num jantar em
homenagem a Marco Maciel na
casa de Lily Marinho, na sexta-feira anterior à posse. Ela declarou ser necessária uma campanha para trazer gente jovem para a ABL, pois anda morrendo
acadêmico demais.
Uma parte do orçamento
anual de R$ 9 milhões da ABL,
por exemplo, é reservada ao pagamento de três velórios anuais,
que custam R$ 36 mil, no total.
"Mas, dona Carmen, tudo isso?", perguntou o presidente
Ivan Junqueira ao receber a informação. E Carmen de Oliveira, funcionária da ABL há três
décadas: "Conheço a casa melhor do que o senhor". Certa vez
morreram sete acadêmicos, e o
orçamento estourou.
Paulo Coelho, o acadêmico mais jovem, tem
57 anos.
Nem só de chá das cinco vive a ABL, embora
este, realizado às quintas-feiras -detalhe: às
15h30-, tenha se tornado um símbolo da instituição. No capítulo das
lendas, existe uma cadeira maldita na mesa do
chá: é a da cabeceira. Nela Guimarães Rosa teria
sentado dias antes de
morrer.
A ABL tem em seu centro de memória verdadeiras preciosidades,
guardadas em quase 200
gavetas de arquivo. Pequeno exemplo entre
centenas: os originais de
"Esaú e Jacó", livro de
Machado de Assis. Neles
se vê o escritor criando o
personagem: o nome
Conceição aparece riscado, e sobre ele outro, Natividade, nome da personagem que acabou vingando. Há ainda livros e objetos
pessoais de Machado de Assis, a
biblioteca de Manuel Bandeira
ao lado de quadros de Cândido
Portinari e Guignard, estante e
escrivaninha de Olavo Bilac e
escrivaninha de Euclides da Cunha.
Ganhar eleição na ABL é mais
difícil do que virar presidente
do Brasil, concluiu Juscelino
Kubitschek ao perder a eleição
por um voto na década de 70. Os
acadêmicos até hoje cochicham
que o governo militar influiu
decisivamente na derrota de JK.
Marco Maciel venceu Fernando Morais por 28 votos a 9. "Teve muita traição. Dezessete acadêmicos haviam me prometido
o voto em cima do túmulo da
mãe", diz Morais. Depois de lidos, os votos de Morais e Maciel
foram colocados num
caldeirão e incinerados; o
resultado, como acontece em todas as eleições da
Academia, foi proclamado como se o vencedor tivesse sido eleito por unanimidade.
@: bergamo@folhasp.com.br
COM CLEO GUIMARÃES e ALVARO LEME
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