São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2008 |
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"Onda de pessimismo" chega ao teatro
No Rio, Sérgio Britto encena a melancolia de Beckett; em SP, Antonio Petrin interpreta ator aconselhado a se aposentar
LUCAS NEVES DA REPORTAGEM LOCAL Num palco carioca, o ator Sérgio Britto, 85, ouve uma gravação empoeirada com notas sobre um amor frustrado e a vaidade oca da juventude. Mais tarde, em cena muda, vira um andarilho em quem o deserto -ou a própria mente- prega peças. A melancolia é emprestada do Beckett de "A Última Gravação de Krapp" e "Ato sem Palavras 1". Em São Paulo, o desalento ecoa na estréia "Só os Doentes do Coração Deveriam ser Atores", monólogo em que Antonio Petrin, 70, interpreta um ator aconselhado a se aposentar por conta de sua condição cardíaca. Tom parecido deve ter "Começar a Terminar", estudo da obra beckettiana por Antonio Abujamra, 76, guiado pelos conceitos de solidão, espera e morte -com temporada paulistana a partir de 10/10. As sinopses sugerem uma onda de tristeza entre atores veteranos do teatro. Para Britto, há "um desespero, uma depressão psíquica" no país: "O Brasil não tem dinheiro, não tem cultura, não sabe o que fazer da sua vida, vai mal em tudo, até no futebol. É uma onda de pessimismo, de "baixura" em tudo. A gente vive porque vive. Gosto de viver pelo prazer de ir ao cinema, de ler. Mas se for me deixar pensar e buscar motivos mais profundos para gostar da vida, não, não tenho". O ator acredita que o momento seja propício à assimilação dos textos de Beckett pelo grande público. "Aquilo é muito pesado, terrível. Ele achava a vida uma porcaria. Pensei que muita gente fosse sair [no meio do espetáculo], mas é impressionante a seriedade com que o assistem. Por que essa afinidade? Porque não conseguimos mais acreditar." O pessimismo, ressalva Britto, não pautou a escolha dos textos. "Graças a Deus, o ator não pensa tão logicamente. Ficaria meio cretino: "Vamos montar o Beckett porque ele é negativo, mesmo". Isso, não. A intuição me fez escolhê-lo." Procurado pela reportagem, o ator Antonio Abujamra disse que a concepção de seu espetáculo ainda está em curso e que, por isso, preferia não falar a respeito. Mundo banal Petrin, de seu lado, vê na interseção temática com as montagens dos colegas um reflexo da maturidade. "A gente não tem muito a festejar nessa idade. Acreditávamos poder alcançar um mundo melhor. A idade foi chegando, e não vimos nada mudar: o mundo foi se banalizando cada vez mais." Políticos e jovens, de maneira geral, também o deixam macambúzio. "Eu fico olhando esses caras que vêm pedir meu voto hoje e não vejo nada. Não têm conteúdo, são todos iguais. E os jovens não têm uma preocupação maior com a existência. Querem o mais fácil, o consumo imediato." Jogo de espelhos, a arte tem, para ele, de dar conta desse desconforto. "Procuro transmitir o que sinto. Não quero ser cínico de contar coisas achando que está tudo maravilhoso. Na peça, faço esse ator polonês que se dedicou a uma arte maior na vida. Eu, não. Para sobreviver, tenho de fazer TV. Olha a diferença: enquanto ele fazia "Ricardo 3º", eu fico representando novela no SBT." O teatro brasileiro, avalia Petrin, "vive um momento tenebroso, com atores se formando de uma forma muito banal": "Faço esse monólogo porque não consegui verba para peças com mais gente. Tudo é muito difícil. Vejo que o meu espaço fica sendo ocupado por jovens oriundos da televisão. O dinheiro [do patrocínio] é canalizado para produções que tenham um nome relacionado à mídia televisiva. Faço um texto de qualidade, sem dúvida, mas é um monólogo, e tem suas restrições, até para o público. Ninguém gosta de ir ao teatro e ver um ator só representando". "Ai meu Deus" Britto, freqüentador assíduo da cena carioca, faz coro: "O que há de porcaria por aí [no teatro], Nossa Senhora, é de assustar. Neste ano de 2008, tenho assistido a alguns dos piores espetáculos da minha vida. Há tanta coisa apelativa, porcaria, sujinha, ai meu Deus. E há musicais detestáveis". Entre as poucas exceções, diz, estão "Salmo 91", "Não sobre o Amor" e "Dona Flor e seus Dois Maridos" -todos indicados ou já premiados com o Shell. Mas o desânimo logo vai embora quando a reportagem indaga que impressões ele registraria hoje num gravador -à moda de Krapp: "Ainda bem que sou ator: é a melhor profissão do mundo. Eu sempre digo que o Krapp tem as bananas, a bebida e as gravações, mas eu tenho o teatro. Estou mais protegido que o Krapp. Na minha solidão, aos 85 anos, me basto podendo fazer o Beckett. Me satisfaço e resolvo a minha vida; até esqueço os problemas em volta". Texto Anterior: São Pedro recebe cantata sobre corte portuguesa Próximo Texto: Frases Índice |
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