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TELEVISÃO
"Straight Plan for the Gay Man" adere à onda transformista, camuflando homossexualidade de participantes
Personalidades criticam a "trans-TV"
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Dentro da atual voga transformista da TV, a próxima modinha
é colocar gays afetados sendo "ensinados" a se passar por heterossexuais machões. Chamado
"Straight Plan for the Gay Man", o
programa estréia no Brasil no canal pago GNT, no próximo dia 26.
Seu propósito é inverter, na mesma base de brincadeira, os princípios do projeto "Queer Eye for the
Straight Guy", exibido no Sony.
No programa original, uma
equipe de homossexuais estilosos
se empenha a ensinar sofisticação
e boas maneiras a típicos grosseirões heterossexuais. No novo,
quatro "machões" fazem de tudo
para camuflar temporariamente
trejeitos e gestos estereotipados
de voluntários gays.
Em três episódios, "ensinam"
três cobaias a dissimular suas sexualidades -o primeiro tem de
passar uma tarde trabalhando
num frigorífico, o segundo participa de um jogo de basquete, o
terceiro precisa conquistar uma
garota numa agência de namoros.
Alguns dos "professores" heterossexuais participam da farsa e,
ao final, pessoas com quem eles
conviveram são instadas a adivinhar qual deles era o homossexual disfarçado. Invariavelmente,
são os héteros que acabam apontados como supostos gays.
Além de os participantes todos
terem postura de atores, os episódios parecem roteirizados, ficando num limite nebuloso entre o
"show de realidade", o programa
humorístico e a mera ficção.
Ao final, o tom de brincadeira
amena é sublinhado pelos voluntários -os três afirmam, sorridentes, que não pretendem abrir
mão da identidade gay.
No Brasil, tais programas provocam desconfiança entre personalidades ouvidas pela Folha
-não só ativistas do movimento
homossexual, como também figuras televisivas que convivem
com o atual ambiente de "reality
shows" que promovem supostas
transformações de pobres em ricos, anônimos em famosos, feios
em bonitos etc.
Cantora, compositora, escritora
e militante homossexual, Vange
Leonel aponta diferença inicial
entre as brincadeiras aparentemente semelhantes dos dois programas: "O "Straight Plan" me parece mais pernicioso, porque toca
num ponto muito delicado para
nós, gays e lésbicas: o fantasma da
conversão, do disfarce. Por mais
bem-humorado que seja o programa, a piada é indigesta", diz.
"Já o "Queer Eye" adestra o voluntário, no máximo, para parecer um metrossexual, e o aspecto
negativo aí é se curvar diante de
modinhas padronizadoras",
completa, classificando como
mais nociva a outra premissa, "de
que você pode se converter (ou se
curar) e para isso basta querer".
A opinião contrária é compartilhada pelo roqueiro Supla, heterossexual convicto que esteve na
origem da chegada da onda ao
Brasil, quando a primeira "Casa
dos Artistas" fez sua conversão
temporária de punk rebelde em
galã romântico do SBT.
"Não acho saudável. Acho que
você tem que ser o que é, não querer ser outra pessoa. Aconteci na
"Casa dos Artistas" porque fui
simplesmente o que eu era", diz.
"O único lado ruim da experiência é quando punks radicais
chegam falando "pô, tá vendendo
boneco?'", diz, contando ter vendido quase 150 mil bonecos Supla,
projetados por ele mesmo.
Experiência ambivalente é a de
Laura Finocchiaro, cantora, compositora e militante homossexual
que faz direção musical e enxerta
artistas independentes na "Casa
dos Artistas". "Acho esses programas, bem como os "reality shows"
de que participo, nocivos à saúde
e à cultura do telespectador. Assuntos que merecem dignidade e
seriedade são tratados com ironia, sensacionalismo e superficialidade, gerando mais preconceitos e desinformação."
Laura se diz descrente da utilidade de tais programas para permitir maior visibilidade e aceitação da população homossexual.
"O que os move é a consciência
de que existe um "pink money'",
diz, fazendo alusão ao lucro obtido pelo consumismo de homossexuais de classes mais altas. "Mas
esse gênero só afasta o público da
informação, do respeito por
quem está à margem do que é
considerado normal pela sociedade careta."
Embora não seja fruto dos "reality shows", a cantora, atriz e apresentadora Preta Gil tem transitado pelo ambiente da "trans-TV",
especialmente por sua luta pública constante para emagrecer.
Preta, que afirma que namorou
mulheres e hoje diz que só o fazia
por "modismo" e para "atiçar os
homens", ressalta saber que está
inserida no sistema -mas o critica, mesmo assim. "Na TV as pessoas precisam se mascarar e se
travestir cada vez mais para aparecer, para criar ganchos televisivos que dêem audiência."
Falando à Folha por telefone
enquanto faz drenagem linfática
na clínica Santé, comenta o transformismo estético vigente na TV e
na "vida real". "Eu me fodi, saí de
uma lipoaspiração direto para a
depressão. É uma violência, um
efeito Michael Jackson. Falam
tanto dele, mas está todo mundo
se transformando em mini-Michael Jackson, se mutilando, se
branqueando. Para quem tem recursos, é mais fácil procurar um
cirurgião que um psicólogo, um
guia espiritual ou sua mãe."
De volta à questão sexual, opina:
"Esses programas separatistas só
reafirmam guetos e preconceitos.
A humanidade é bissexual, o melhor seria misturar gay, hétero, bi,
sem apontar ninguém".
Não muito distantes dessas posições estão as do cineasta, escritor e pioneiro do ativismo gay
brasileiro João Silvério Trevisan:
"Confundir virilidade com machismo é lamentável, burro. Homossexuais não estão geneticamente programados para ter gosto mais apurado e ser gentis, assim como heterossexuais não estão geneticamente programados
para serem cafonas e grosseiros".
"Para fazer "reality show" de verdade sobre isso, é só abrir as câmeras que mostrem homens gays
se fazendo passar por heterossexuais, aos milhares, em todos os
lugares, em todos os ramos, 24
horas por dia", ironiza Trevisan.
STRAIGHT PLAN FOR THE GAY MAN -
Estréia dia 26, às 19h30, no canal GNT;
reprises dia 26, à 0h, dia 27, às 11h, e dia
31, às 12h.
QUEER EYE FOR THE STRAIGHT GUY -
No canal Sony, domingos, às 21h, e
segundas, às 2h; na Rede 21, domingos,
22h30.
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