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CRÍTICA
Novelas teens parecem longe da juventude
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Parece que veio de fábrica.
São os mesmos draminhas
psicológicos, os mesmos falsos
dilemas morais, o mesmo proselitismo pedagógico. A Bandeirantes estreou recentemente
uma novela "adolescente", a produção portuguesa "Morangos
com Açúcar", em tudo semelhante a "Malhação".
Talvez a versão d'além-mar seja um tantinho mais pobre de
produção e algo mais cafona em
termos estéticos, mas as diferenças param por aí. Os adolescentes em questão estudam todos na
mesma escola, no equivalente
português ao ensino médio no
Brasil, preparam-se para o vestibular, apaixonam-se uns pelos
outros, não necessariamente uns
pelos outros mesmos, despertam
para a vida sexual, envolvem-se
com comportamentos de risco
etc. etc. Os adultos ou são desajeitados e ridículos ou hipócritas
ou de uma caretice impossível.
Cá, no Rio de "Malhação", ou
lá, no Estoril de "Morangos com
Açúcar", parece que a vida dos
adolescentes é de um tédio ímpar. Tudo é muito programadinho, até mesmo aquilo que deveria estar no terreno do mais imprevisível: a irrupção da individualidade, o conflito com a autoridade, a afirmação de uma sensibilidade outra.
Ambos querem fazer crer que a
adolescência da classe média hoje em dia seja mesmo um fenômeno muito previsível, dada a
força das imagens que se cristalizaram em torno daquilo que se
imagina que as pessoas vivam
entre os 13 e os 20 anos e que foram em parte criadas e alimentadas pelos meios de comunicação.
A sensação de previsibilidade aumenta quando se pensa nos seriados americanos que têm adolescentes como protagonistas.
Via de regra, o que acontece
com esses jovens ficcionais é que
eles e elas cometem lá seus excessinhos, se dão mal, aprendem as
lições e voltam ao bom caminho
na velocidade de um capítulo ou
episódio. A culpa é a palavra-chave da ficção para adolescentes. Os motivos variam, mas o ciclo de excesso-punição-expiação
se mantém constante. Nos seriados americanos, o negócio é tão
sério que eles sofrem com a mesma solenidade dos adultos. No
mundo latino, as coisas são um
pouco mais leves, mas o propósito psicopedagógico é o mesmo.
Tanto consenso levanta uma
certa desconfiança. Afinal, a adolescência das novelinhas e seriados representa alguma forma de
adolescência de fato vivida pelos
garotos e garotas ou é o único
formato compreendido e admitido pelos adultos?
A ficção para adolescentes da
TV quase nunca é capaz de assumir o doloroso e confuso ponto
de vista dessa fase, em que impera uma espécie de caos interno e
uma incompreensão gigantesca
dos mecanismos do mundo, mas
ao mesmo tempo uma enorme
liberdade de experimentação
existencial. A exceção notável e
de vida curtíssima foi "Minha Vida de Cão", série estrelada por
Claire Danes ainda bem menina
nos anos 90.
@ : biabramo.tv@uol.com.br
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