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Heróis e bufões ajudam a contar a história da capital em revistas de quadrinhos
São Paulo quadro-a-quadro
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo já foi cantada em versos, congelada em quadros e monumentos, tema de filmes e até de
minissérie da Globo. Já estava na
hora de a cidade reconhecer mais
uma de suas outras tantas vocações: as histórias em quadrinhos.
Refúgio de uma considerável
parcela de bons quadrinistas nacionais, do pioneiro Ângelo Agostini às revistinhas de terror dos
anos 50, da redação de quadrinhos Disney da Abril ao mundialmente reconhecido Mauricio de
Sousa, a cidade de São Paulo tem
sido mais do que um cenário para
as HQs produzidas aqui. É muitas
vezes o seu personagem principal.
Aos 450 anos e alguns diazinhos
a mais (prazos, gráfica, fotolitos,
quadrinistas, sabe como é...), a
paulicéia ganha uma homenagem
mais desvairada do que nunca: "O
Paulistano da Glória", uma "ópera-bufa" em quadrinhos, como
definem os seus próprios criadores Xalberto, Sian e Bira Câmara,
egressos do "udigrudi", outro fenômeno típico paulistano que
apresentou laertes, angelis e carusos ao país três décadas atrás.
Iniciada por volta de 1983, abortada em 1987, retomada dez anos
depois e só agora lançada pela
editora Via Lettera, a HQ conta a
saga de um "arquiteto frustrado e
meio metido a artista" que luta
para salvar a empresa de seu pai, a
São Roque, à beira da concordata.
Valores de família, vê? "Bééééé,
vocês arquitetos são mesmo uns
românticos!", desdenha o pai, um
típico microempresário da Barra
Funda às voltas com a crise de sua
fábrica de... camisinhas?!
"O que a gente podia fazer? No
início da década de 80, quando
começamos a escrever a história,
ninguém usava camisinha. Era
coisa do século passado. Aí veio a
Aids e, em poucos anos, camisinha era a indústria mais rentável
que existia no país", comenta Bira, 53, justificando os quase 20
anos que a HQ levou para ficar
pronta. "Não tem história de época? Não fazem história sobre bandeirantes? Então..."
Pois bem, além das camisinhas,
dos fuscas e dos bandeirantes, "O
Paulistano da Glória" envolve
também Adoniran Barbosa
("Num quero tiro ao álvaro no Bixiga!"), os barões do café ("com
light") e até os soldados constitucionalistas, conservados por criogenia no "underground" da revolução, situado no casarão de número 1.932 da av. Paulista. Tudo
embalado em uma aura de misticismo-pré-apocalíptico-revolucionário digno das profecias furadas do lendário coronel Rolin.
Faltou só o Borba Gato.
"Tinha uma passagem do álbum em que o Borba Gato criava
vida e acertava uma porrada no
carro dos bandidos, mas demoramos tanto que, quando nos demos conta, o Luiz Gê já tinha desenhado uma história com isso."
Gê, ex-chargista político da Folha, também tem a sua própria saga paulistana. Publicada em 1991,
nas páginas da hoje extinta "Revista Goodyear", "Fragmentos
Completos" é uma história de 66
páginas, baseada em relatos de
viajantes e artigos de jornais, sobre a construção -e a destruição- da avenida Paulista.
"São Paulo está para a HQ assim
como o Rio de Janeiro está para o
humor. Existe aqui essa tradição
narrativa, é uma cidade que tem
muito clima e que, se não é bela, é
instigante, cinematográfica",
aponta Gê, 50, formado em arquitetura pela USP e também um dos
principais nomes do "udigrudi"
paulistano. Foi o fundador da revista alternativa "Balão" e editor
da "Circo", na década de 80.
Enquanto Bira vê a sua HQ como uma ópera-bufa, Gê prefere
comparar os seus "Fragmentos
Completos" a "uma sinfonia".
Como nos quatro movimentos
de uma sinfonia clássica, há o furor inicial da inauguração da avenida Paulista, com suas carruagens, ciclistas e passeios; o surgimento dos casarões, a pujança industrial e os automóveis importados; os primeiros edifícios, o trânsito infernal, a grana ("que ergue e
destrói coisas belas"); e, por fim, o
futuro/presente das multinacionais, do setor financeiro.
"São Paulo tem um espírito
muito destruidor, não saca a plasticidade das coisas, a importância
da memória", lamenta Gê.
Em tempo: a editora Via Lettera
diz ter procurado a Goodyear pedindo patrocínio para republicar
"Fragmentos Completos", hoje
um raro item de colecionador,
mas teria sido informada que o
assunto não interessa à empresa.
O PAULISTANO DA GLÓRIA. Autores:
Xalberto, Bira Câmara e Sian. Editora: Via
Lettera. Preço: R$ 18 (68 págs.).
REVISTA GOODYEAR ESPECIAL -
FRAGMENTOS COMPLETOS. Autor:
Luiz Gê. Onde encontrar: Gibiteca Henfil
-°Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro,
1.000, Liberdade, São Paulo, tel. 0/xx/
11/3277-3611, r. 247). De ter. a sex.: das
10h às 20h. Sáb. e dom.: das 10h às 18h.
O material deve ser consultado no local.
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