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Em ano de eleição, Aguinaldo Silva critica populismo de governantes na próxima novela das oito da Globo
Horário político
Divulgação/TV Globo
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Maria do Carmo (Carolina Dieckman), em cena da primeira fase da novela " Senhora do Destino", que estréia no dia 28 |
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Em plena época de eleições -e
de horário eleitoral-, os políticos
que se cuidem! Um exemplar da
classe assumirá, na próxima novela das oito, a vilania que cercou
Laura Prudente da Costa e seu
mundo de celebridades.
No ar a partir do dia 28 na Globo, "Senhora do Destino" é mais
um texto de horário nobre de
Aguinaldo Silva, 60. Do time VIP
de autores, é o único do grupo a
nunca ter sido escalado para as
seis ou sete: possui exclusivamente novelas das oito no currículo,
entre elas, "Roque Santeiro" (85/
86), "Vale Tudo" (88), "Fera Ferida" (93/94) e "A Indomada" (97).
Sua anterior, "Porto dos Milagres" (2001), deu o que falar pelas
analogias com fatos políticos da
época. A maior polêmica girou
em torno do senador corrupto interpretado por Lima Duarte, que
se complicou por ter tido uma
conversa gravada, como ocorria
com Antonio Carlos Magalhães.
Desta vez, o inescrupuloso será
Naldo (Eduardo Moscovis). À Folha, o autor afirma que ele é um
apanhado de políticos "aproveitadores, demagogos e populistas"
do Rio. É filho da protagonista,
Maria do Carmo, nordestina pobre que chega à capital fluminense em 68. A matriarca (Carolina
Dieckman na primeira fase e Suzana Vieira na segunda) é homenagem à mãe do autor e passa por
percalços vividos por ele -nordestino, migrante, homossexual-, como a prisão durante a
ditadura.
Ela vence pelo trabalho. Também Silva. "Se parasse agora ou se
Anthony Garotinho fosse eleito
presidente da República -que
Deus nos livre e guarde-, poderia ir morar, sem grandes problemas, no meu apartamentozinho
na Place de Furstemberg, em Paris", diz. Leia entrevista abaixo.
Folha - "Porto dos Milagres" era
forte em analogias com políticos
da época. O que podemos esperar
de "Senhora do Destino"? O governo Lula renderia boas histórias?
Aguinaldo Silva - "Senhora" está
mais situada na Baixada Fluminense, e Naldo, um político ambicioso, foi um apanhado que fiz de
vários políticos do Estado do Rio,
que são esses inescrupulosos,
aproveitadores, demagogos e populistas que há por aí. Infelizmente, esse é o retrato do Brasil. Não
sei se algo do governo Lula renderia uma boa história, isso só dá
para avaliar na hora. Mas terei um
personagem, o "seu Jacques", que
teve a aposentadoria calculada erradamente (para menos, claro)
pelo INSS. Todos os dias, depois
de ler jornal, fará um comentário.
Suas análises provocarão o maior
disse-que-disse. Ele terá o bordão:
"Quem está falando é um brasileiro!". Minha idéia é fazer com que
pelo menos duas cenas por semana sejam gravadas no mesmo dia
ou na véspera da exibição para
que tenham atualidade. Se algo
interessante acontecer no país
que valha ressaltar, ganhará comentário do "seu Jacques".
Folha - Essa é sua primeira trama
sob a era da campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania. "Celebridade" teve problemas
com isso. "Senhora" também terá?
Silva - Acho que não. "Senhora"
é uma novela conservadora entre
aspas, porque vem resgatar valores que parecem ter sido esquecidos pela sociedade, como a ética,
o respeito, a família. Fala sobre
pessoas que vencem através do
trabalho. Acho qualquer tipo de
censura ruim, mas não posso deixar de comentar que não gosto
nem um pouco desses programas
sensacionalistas que tomaram
conta da TV brasileira a pretexto
de mostrar a vida como ela é.
Folha - Maria do Carmo, a "senhora do destino", é o nome de sua
mãe, mas mistura a história dela
com a sua, como quando foi preso.
O que há de autobiográfico?
Silva - A história da Maria do
Carmo, a partir do instante em
que é presa, é, rigorosamente, a
que aconteceu comigo quando fui
preso, em 1969. Tem até frases,
como quando Dirceu pergunta a
ela na cadeia: "De onde você é?".
Uma presa política me fez essa
pergunta, e respondi que era do
"Globo", na época, considerado
um jornal reacionário. Fui preso
por ter escrito o prefácio do "Diário de Che Guevara", com o título
"A Guerrilha Não Acabou". Como não tinha culpa, eles simplesmente me deixaram lá, de castigo,
durante 70 dias, e, quando saí, fui
trabalhar de novo no Globo, ou
nas Organizações Globo, onde estou até hoje. O jeito de minha mãe
está muito representado na personagem que leva o nome dela,
Maria do Carmo Ferreira da Silva.
Era uma mulher muito forte e
quis homenageá-la.
Folha - Em "Suave Veneno"
(1999), Eva Todor era Maria do Carmo, que apoiou a opção homossexual do filho. Também foi uma referência autobiográfica? Costuma
colocar sua história nas novelas?
Silva - Não foi uma referência
autobiográfica, mas, por ter sido
jornalista por 18 anos, eu me acostumei a pegar personagens da vida real e lhes dar um banho de ficção. Por exemplo, para criar Josefa (Marília Gabriela), eu me inspirei um pouco em três mulheres
que eram donas de jornais na
época: a Condessa Pereira Carneiro, do "Jornal do Brasil", Niomar
Muniz Sodré, do "Correio da Manhã", e Ondina Dantas, do "Diário de Notícias". O que me fez escrever "Senhora do Destino" foi a
quantidade de nordestinos que
vieram para o Sul, com uma mão
na frente e outra atrás, e acabaram
triunfando à custa de trabalho. Isso inclui o meu caso e o do atual
presidente da República.
Folha - Há alguns anos, o sr. declarou que "Suave Veneno" seria
seu penúltimo folhetim. Disse que
em 2004 estaria com "idade muito
adiantada" para criar novelas e que
não aceitaria fazer outras nem que
a Globo "oferecesse o céu". Os 60
anos não o assustam mais ou o céu
oferecido foi "de brigadeiro"?
Silva - A possibilidade de ser esquecido é o que me assustou
mais. Já tinha decidido parar com
novelas. O meu contrato venceria
em julho deste ano, até que, um
dia, comentei isso com um amigo,
e ele me perguntou se eu estava
preparado para ser reconhecido
como o cara que escrevia novela,
ou seja, o senhor "já era". Achei
que não, mas, ao mesmo tempo,
coloquei na minha cabeça que, se
fosse escrever outra novela, teria
que ser diferente das que eu já havia escrito, e é isso o que eu estou
fazendo agora. Pode-se dizer que
"Senhora" é de um estreante. Estou expurgando dela qualquer
vestígio do "estilo Aguinaldo Silva". Tenho a fantasia de achar
que, se a assinasse com pseudônimo, ninguém saberia que era.
Folha - Em 2000, o sr. disse ganhar mais de R$ 60 mil mensais na
Globo. Há anos no time VIP de globais, poderia parar de trabalhar?
Silva - Sou o único autor de novela que só escreveu para o horário das oito. Isso faz parte da história da telenovela e também me
ajudou, nesses 26 anos de TV, a
programar minha vida de modo
que me tornasse independente.
Tanto poderia parar que já havia
pensado em parar de escrever novelas, mas isso não está mais nos
meus planos. De qualquer modo,
se eu parasse agora ou se Anthony
Garotinho fosse eleito presidente
da República -que Deus nos livre e guarde-, poderia ir morar,
sem grandes problemas, no meu
apartamentozinho na Place de
Furstemberg, em Paris.
Folha - Novelas clássicas, folhetins, consagram-se como sucesso
no Ibope. Será assim para sempre
ou haverá inovações, como união
entre ficção e "reality show"?
Silva - Como um homem de ficção, prefiro acreditar que a novela
clássica, folhetinesca, será sempre
o melhor estilo para o sucesso.
Folha - Em semana de parada
gay, pergunto ao sr., já demitido
de um banco devido à opção sexual: a trama terá homossexual?
Silva - Como "Senhora" fala sobre relações familiares, me veio a
idéia de abordar como uma família iria se adaptar a uma relação
homossexual assumida por um
dos membros. Pensei em colocar
duas moças, a filha mais velha do
Sebastião (Nelson Xavier), a Eleonora (Milla Cristie), e a filha do
ex-bicheiro Giovanni Improtta
(José Wilker), a Jeniffer (Bárbara
Borges), vivendo uma situação
dessas. Mas só vou começar a desenvolver essa história bem mais
para a frente. Não porque tenha
cuidados, mas porque tenho muita trama para desenvolver.
Folha - Como ex-repórter, o que
acha do jornalismo retratado por
Gilberto Braga em "Celebridade"?
Silva - Estou longe das Redações
há muito tempo, mas acho que
basta ver o que anda sendo publicado para saber que tudo, atualmente, é possível. A certa altura
de "Senhora do Destino", o jornal
"Diário de Notícias", fechado no
começo da novela, será relançado.
A idéia dele é fazer um jornal diferente de tudo o que está aí. Ainda
não tenho a menor idéia, mas é
como antigo jornalista que ando
refletindo a respeito. Pretendo
consultar profissionais, ex-companheiros meus e gente mais nova para tentar chegar a um consenso. Você, que está na frente de
batalha, tem alguma idéia?
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