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MÔNICA BERGAMO
Ana Ottoni/Folha Imagem
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Hoje com 27 anos, Hua Yong entrou para o Circo Imperial da China quando tinha sete anos e é atualmente uma das estrelas da trupe, que se apresenta em São Paulo nesta semana
Vida nas alturas
"Do you like football?", pergunta o bailarino chinês Chu Zhi Yong aos brasileiros à sua volta. Ele é um dos 50 integrantes da trupe do Circo Imperial da China, que chegou ao Brasil no domingo, 5,
para uma série de apresentações de equilibrismo, acrobacias e contorcionismo.
Yong não tem a menor idéia de quem é Lula nem que o presidente brasileiro acaba de
voltar de uma viagem a seu país. É outro nome -Ronaldo- que ele associa imediatamente ao Brasil. "Todo mundo conhece Ronaldo", interrompe a equilibrista Chen Kun, num inglês bem pouco compreensível, apesar das horas diárias que ela dedica ao estudo do idioma, num caderninho com palavras escritas em inglês e em
caracteres orientais.
Kun é uma das poucas da
trupe que falam um segundo
idioma. A grande maioria nem
"arranha" no inglês, o que dificultava a vida dos técnicos do
Teatro do Sesi, em Porto Alegre,
onde eles estrearam na semana
passada. "Chega a demorar até
25% mais tempo para montar a
luz, por exemplo", conta
Macgyver Zitto, assistente-geral
da produção, que tem feito as
vezes de babá da companhia no
Brasil: foi buscá-los no aeroporto, levou-os para comprar comida e roupas. Para driblar a
barreira da língua, ele monta
uma tabela com frases básicas
como "qual é seu nome?" e "como vai você?" em português, inglês e chinês.
Toda viagem do grupo ao exterior é acompanhada por um
funcionário do
governo, que está lá para garantir que ninguém
resolva pedir asilo político no
meio da turnê.
Na terça, 8, uma
turma precisou
ir ao centro da cidade comprar
roupas, e um
funcionário do
governo foi junto, sem desgrudar os olhos dos
três integrantes
que circularam
pelas lojas de
Porto Alegre. O
passeio era para
vestir a caçula da
trupe, Zheng Yuan, 15, que teve
sua mala extraviada pela companhia aérea e estava com a
mesma roupa desde domingo.
Encabulada, ela pediu que os
homens do grupo a deixassem
sozinha na loja na hora de escolher roupas íntimas.
O ensaio recomeça. Sentado
em uma cadeira, o diretor artístico Fei Guangsheng, 50, coordena cinco bailarinos que vão
"voar" pendurados em um pedaço de tecido. Ele reclama do
comprimento do tecido três vezes, até que levanta nervoso e
rasga o pano até deixá-lo no tamanho que acha ideal.
Guangsheng é um dos poucos "velhos" do grupo. A maioria tem entre 15 e 17 anos e quase
todos entraram para o circo
com cinco. Com essa idade, deixaram a casa da família para
morar com a trupe, que tem
uma rotina pesada de ensaios
diários.
O primeiro treino, às 6h30,
acontece antes mesmo do café
da manhã. Depois praticam as
acrobacias por mais três horas,
almoçam e estudam. São liberados às 18h e antes das 22h têm
de estar dormindo. Vão para casa somente nos fins de semana e
têm apenas duas semanas de férias depois de cada turnê.
As tarefas são divididas, tanto
na terra natal quanto nas viagens: os menores ajudam na montagem
dos cenários, os
maiores preparam a
comida. E são bem
econômicos nos ingredientes: para alimentar a equipe toda
durante uma semana
em Porto Alegre, eles
gastaram somente
R$ 450. Compraram
60 kg de arroz, 12 dúzias de ovos, 15 litros
de óleo e 20 pacotes
de macarrão.
Um dos maiores desafios um
dia antes da estréia era montar
uma espécie de pirâmide com
mais de 20 equilibristas. Um deles
era Hua Yong,
uma das estrelas
da companhia. Ganha um dos salários mais altos da
trupe, o equivalente a US$ 250 mensais, ou cerca de R$
750. Os demais
não costumam
chegar nem a US$
200.
Participar de
uma das trupes do
circo -são mais de cem em toda a China, mantidas pelo governo- é "motivo de orgulho",
como conta o líder do grupo,
George Kuo, 71. Ele, que mora
nos EUA desde 1981 trabalhando com a promoção cultural da
China no exterior, é um dos responsáveis pelo formato atual do
espetáculo: procurou, nos anos
90, o empresário americano
John Regna, que é hoje o único
autorizado a negociar os shows
do grupo no Ocidente.
Regna fez o que se pode chamar
de um verdadeiro negócio da
China: conseguiu autorização
do governo comunista para registrar a marca Circo Imperial.
Sim, a tradição é chinesa, de
mais de dois milênios, mas a
"patente" é dos Estados Unidos.
"É para evitar que algum outro
grupo aproveite o sucesso deste,
que fez mais de 150 shows no
ano passado, e negocie no nosso
lugar", explica o americano Dana Blanc, que trabalha para Regna e acompanha a turnê pela
América Latina.
Depois de Porto Alegre, o grupo vem para São Paulo, onde faz
shows de quinta, 17, a domingo,
20. Daqui vai para o Rio e, de lá,
para Argentina e Chile. "Já conheci mais de dez países", conta
o equilibrista Hua Yong. Não
que faça diferença: nunca dá
tempo de circular para conhecer as cidades por onde passa.
"Eles estão aqui a trabalho", define o líder George Kuo.
@: bergamo@folhasp.com.br
COM ALVARO LEME (REPORTAGEM) e LUCRECIA ZAPPI
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