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CRÍTICA
Conservadorismo viceja dentro do armário
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Nas noites de quarta-feira,
enquanto a Rede Globo
monopoliza o futebol, as outras
emissoras da TV aberta disputam a tapa o público que não suporta ficar duas horas assistindo
a 22 homens correndo atrás de
uma bola. É a noite "de gala" dos
programas de auditório noturnos e é a noite em que se pode tomar a temperatura do que aqueles que fazem TV pensam sobre
as identidades sexuais.
Sim, porque, enquanto o futebol é considerado um programa
masculino por excelência, aqueles que não têm o futebol se esforçam para capturar as mulheres. Uma espécie de divisão se
impõe: aos homens heterossexuais, o esporte (e a encenação
do mundo competitivo) e a boa
vida (álcool, bunda, safadeza); a
todas as outras possibilidades de
gênero e sexualidade, fofoca, auto-ajuda e irrelevância em vários
formatos.
Um dos programas de auditório que mais, digamos, se efeminam para atrair esse público alérgico ao futebol é o "Boa Noite
Brasil", de Gilberto Barros. De
um ordinário programa pachorrento, de atrações de segundo time e quadros de produção mínima, às quartas-feiras o programa
se assanha todo. É uma noite de
moda e conselhos para mulheres
no programa do Leão -por alguma razão bastante obscura, o
rotundo apresentador tem esse
apelido. O clímax são as "Alfinetadas", do estilista de noivas Ronaldo Esper, em que ambos,
apresentador e costureiro, destilam veneno sobre o estilo das celebridades.
Como comadres à janela nas
casas do interior, os olhares são
de pura inveja -a beleza, o glamour, a elegância de mulheres
famosas são demolidos em poucas palavras. A fama do estilista,
chamado de "embaixador do
bom gosto" por Barros, é de implacável em seus julgamentos,
mas, em vez de rigorosos, seus
comentários estão no terreno do
puro despeito. E o apresentador,
ansioso como a dona-de-casa
que inveja o poder de atração das
mulheres famosas e ricas, faz coro ao azedume do estilista.
Árbitros da feminilidade, Barros e Esper, nas entrelinhas, fazem um jogo de muxoxos e desprezo, em que o feminino aparece como algo precioso demais
para ser exercido por mulheres.
Não estão sozinhos nisso: a idéia
de que as mulheres reais não
"merecem" a feminilidade é uma
noção clássica do pensamento
homossexual mais conservador e
machista, que viceja sobretudo
dentro dos armários.
Na contramão das discussões
mais avançadas sobre a diversidade sexual, a TV trabalha quase
que sempre no registro mais tacanho das identidades. Homem
gosta de safadeza, mulher tem
que se preocupar em se manter
bonita e em conservar seu homem, e gays, bem, estes têm que
se esconder -ou se sujeitar à gozação. Por essas e outras é que a
parada de hoje continuará por
muito tempo a ser programa
obrigatório.
@: biabramo.tv@uol.com.br
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