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CRÍTICA
Família é uma obsessão televisiva
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Família é assunto caro à ficção e ao público televisivos. O
atual sucesso da novela das oito
tem tanto a ver com, digamos, a
diversidade e veemência dos
comportamentos desviantes
quanto com o fato de eles emergirem de núcleos familiares relativamente plausíveis.
Ao contrário do cinema, que de
certa forma privilegiou (e ainda
privilegia) o casal, a TV prefere
deter-se no ambiente doméstico e
nas relações entre pais & filhos.
Nos EUA, de "Papai Sabe-Tudo"
a "Dallas", os seriados de televisão
sempre empenharam-se em fazer
sua parte na disseminação do jeito norte-americano de viver.
E continuam se empenhando,
na verdade. Só que agora, em vez
das famílias felizes, ajustadas, o
truque é mostrá-las do avesso, como se vê em "Six Feet Under",
que estreou no último domingo
no canal de TV paga Warner. Produzida pela mesma HBO que inovou o mundo das séries com "A
Família Soprano" e "Sex and the
City", a série gira em torno de
uma família proprietária de uma
funerária em Los Angeles. As
duas primeiras temporadas, de
2001 e 2002, receberam diversos
Emmys.
A família Fisher encaixa-se perfeitamente naquilo que os norte-americanos gostam de chamar de
"dysfunctional family", ou seja,
uma família que não funciona
bem, problemática, onde vicejam
os mais variados problemas e patologias. Em outras palavras, o
oposto da família dos anos 50,
plenamente confortável com o
sistema.
O pai, Nathaniel, fuma escondido (o tabagismo nos EUA é considerado um problemão) e morre
disso: ao se abaixar para acender
um cigarro enquanto dirigia, seu
carro (um rabecão) é abalroado
por um ônibus. À morte do patriarca, segue-se a exibição dos esqueletos escondidos no armário
de cada um: a mãe é adúltera, o irmão mais velho é um fracassado e
incapaz de manter um relacionamento amoroso estável, o do
meio é gay e esconde o namorado,
a filha consome drogas.
Ao contrário do período da
Guerra Fria, onde o exibido na ficção tendia a idealizar as benesses
do capitalismo norte-americano
e, portanto, as famílias em tudo
deveriam estar de acordo com a
moralidade que sustentava tal
modelo, hoje a crítica aos modelos e valores tradicionais parece
dar o tom nas séries mais adultas
e modernas, seja pela proposição
de formatos alternativos até o
exame às vezes obsessivo do fracasso pessoal e familiar.
Ainda que, na maioria das vezes, a crítica não saia da superfície
e tudo, ao final, reitere a preeminência da família (mesmo torta)
sobre outros grupamentos sociais, a necessidade de escrutiná-la parece ser uma obsessão da TV.
Em tempo: o apuro da produção, o carisma dos atores e o humor negro de "Six Feet Under"
prometem entretenimento bem
acima da média.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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