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MÔNICA BERGAMO
Greg Salibian/Folha Imagem
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Bethânia, Nana e Miúcha, num raro momento em que a cantora baiana se deixa fotografar no camarim, relaxada, em plena cantoria com suas convidadas; acima, à dir., os objetos que a protegem: foto de mãe Menininha do Gantois e a sereia numa tigela de água
A colméia da rainha
Copo de uísque na mão, uma
bela e confortável roupa vermelha e dourada, de um tecido que ela mesma comprou
em Angola, Maria Bethânia está
relaxada e feliz no camarim do
Canecão, no Rio. Às 2h da manhã da quinta-feira, ela tem ao
seu lado Nana Caymmi e Miúcha, suas convidadas para o
show "Brasileirinho", e mais
uma dezena de amigos -totalmente embasbacados. Já refeitas da apresentação daquela
noite, as três cantam sem parar.
Dão risada, falam de seus pais e
irmãos (Bethânia é irmã de Caetano, Nana é filha de Dorival
Caymmi e Miúcha, irmã de Chico Buarque), falam de Kelly
Key, falam do Brasil.
Um gole de champanhe, e
Miúcha solta: "A correnteza do
rio vai levando aquela flor/ O
meu bem já está dormindo/
Zombando do meu amor"
("Correnteza", de Tom Jobim).
"Ôu dandá, ôu dandá", e Bethânia se junta a ela: "Ôu, dandá, ôu
dandáááá". Nana, a mais despachada das três, começa a falar
"dessa barbárie, dessa vulgaridade que é o Brasil". A voz aumenta: "... Essa vulgaridade que
a gente atropela... e faz o que
gente quer!".
Sim, elas procuram fazer o
que querem, sem concessões fáceis ao marketing, orgulham-se.
E soltam: "Boi, boi,
boi/ Boi da cara preta/" ("Acalanto", de
Dorival Caymmi).
"Pega a Bethânia/
Que tem medo de
caretaaaaa."
"Aproveite, Bethânia, aproveite tudo
do meu pai. Ele está
surdo, cego, mas a
cabeça está perfeita.
Ele me diz: "Filha,
minha cabeça tem
tudo o que eu vi. Está
tudo aqui'", diz Nana. Caymmi vai fazer 90 anos em abril.
As três se abraçam.
Bethânia fala: "A
delicadeza é a única
coisa que pode nos
salvar, nos apartar do que é infernal no Brasil, o dinheiro, a
Bolsa de Valores, esse inferno...
Gente, olha a lua do Brasil como
é linda! Olha as vozes das cantoras do Brasil como são lindas! É
isso que nós temos que mostrar".
Na apresentação de "Brasileirinho", em que foi gravado um
DVD, Bethânia colocou no palco, como convidados, além de
Nana e Miúcha, os conjuntos
Tira Poeira e Uakti e a atriz e diretora Denise Stoklos. O show
deve vir a São Paulo em abril.
"A mulher chega aos 40, 50
anos, no Brasil, e é jogada para
escanteio. E o que você está fazendo comigo e com a Miúcha...
é o que estão fazendo com a estátua de David em Firenze. Estão arregimentando o pau do David!", diz Nana [a escultura
de Michelangelo está passando
por uma restauração]. Gargalhadas. Bethânia completa: "A
música do Brasil também precisa de cuidados". E Nana: "Você
está quebrando um tabu, porque eu não sou a [cantora] Kelly
Key. Eu queria, mas não sou!".
"Vamos cantar alguma coisa
daquele f. da p. do seu irmão?",
diz Nana a Miúcha, referindo-se
a Chico Buarque. "Sou doidinha
com aquelas canelas finas dele",
confessa. "Não me importa canela fina, coxa grossa, ele é ele!",
diz Bethânia, soltando: "O primeiro me chegou..." ("Terezinha", de Chico Buarque).
Naquela noite, Chico foi a estrela da platéia de Bethânia (um
dia antes, o papel coube a Caetano Veloso). Eram 19h da quinta
quando começou a correria para ser montado um esquema especial... não para a chegada de
Bethânia, mas para Chico: ele
queria ir ao show sem ser visto.
Entrou no Canecão escondido,
e escondido ficou numa sala para só se dirigir à platéia com as
luzes apagadas.
"Meu Deus, olha o Chico ali",
exclamou Eunice Oliveira, a Nicinha, levando a mão ao coração ao ver Chico no esconderijo.
Se ela pode tietar, todos podem:
Nicinha é simplesmente irmã de
Caetano e de Bethânia. Ao vê-la,
Chico se derreteu.
Bethânia chama Nicinha de
Babá, por causa de seu orixá.
Babá é a única pessoa autorizada a mexer nos objetos pessoais
da cantora no camarim. No dia da estréia, ela chegou três
horas antes do show
para ajeitar as coisinhas perto do espelho: uma foto de
mãe Menininha do
Gantois, um quadro
de santa Bárbara,
uma sereia dentro
de uma tigela de
água (presente de
mãe Cleusa do Gantois), copinhos para
uma pequena dose
de uísque (Bethânia
aquece a garganta
com a bebida uma
hora antes do show),
pulseiras e um colar
de ouro, presente de
mãe Menininha,
que ela usa em todos
os shows.
Babá é a mais velha dos oito irmãos.
Ela conta que Caetano não anda
gostando nada de ver o tempo
passar. Babá diz que, com a exceção de uma cirurgia que fez
nos seios há cerca de dois anos e
que a fez emagrecer bastante
(ela também faz ginástica), "Bethânia não está nem aí". Não
pinta os cabelos e se arruma sozinha antes dos shows.
Ao lado do camarim, Maria
Luisa Jucá, empresária de Bethânia, atendia o celular a cada
dois minutos, recebendo pedidos de convites para o espetáculo. Com duas assistentes, ela
tentava ajeitar as coisas. "A Luciana de Moraes [filha de Vinicius] está doente". "Dá a mesa
dela para a Marieta [Severo]",
respondia Jucá. Luciana acabou
indo; Jucá deu sua própria cadeira para Marieta. "A Luciana
Braga [filha de Roberto Carlos]
confirmou presença." "Só agora? Não tem mais convite!"
"Carla Camurati não vem, está
com enxaqueca." "Ai, não sei se
consigo mesa boa amanhã!"
Dez minutos antes do show, o
maestro Jaime Alem, 52, com
Bethânia há 21, entra no camarim dela com os outros músicos.
A tensão é grande porque todos
sabem: Bethânia não admite falhas e, quando elas acontecem...
sai de baixo.
Depois de algumas piadas para relaxar, todos fazem uma
oração e vão para o palco. É hora de Bethânia oferecer ao público o favo de seu mel.
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