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CRÍTICA
A novela das sete e o incômodo racial
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Parece politicamente correto, justo e verdadeiro e, no
entanto, pode estar provocando
um efeito inesperado. E tal efeito
inesperado talvez seja uma das
formas de entender a atenção
que "Da Cor do Pecado" vem
atraindo -semana passada, a
novela chegou a picos de audiência raros para o horário, perto
dos índices de novelas das oito.
Em tese, o fato de ser a primeira
a ter uma protagonista negra é
tanto a novidade quanto o principal mérito da novela. Dando visibilidade a uma mulher negra e
fazendo essa personagem contracenar com um homem branco, a televisão estaria contribuindo para discutir o preconceito racial e reparando uma dívida histórica com os negros etc. Mas o
problema é que, quando se dá visibilidade a uma questão complexa e tortuosa como a relação
entre brancos e negros no Brasil,
também se mostra alguma coisa
da violência e hipocrisia que estão aí enfronhadas.
Em "Da Cor do Pecado" o que
parece ser novo, de fato, é a franqueza naturalista com que se tratam as relações entre negros e
brancos, coisa que transparece
especialmente nos diálogos. Digamos que os personagens dão
voz àquilo que não se fala publicamente, mas que se ouve a três
por dois no ambiente privado.
São os vilões que o fazem -a
ambiciosa e cruel Bárbara (Giovana Antonelli) e o magnata sem
coração Afonso (Lima Duarte)-, mas, como se sabe, os vilões não são odiados em bloco e,
muitas vezes, são invejados por
não serem submetidos às amarras morais (ou moralistas) dos
seus companheiros mocinhos.
Recentemente, Afonso descreveu Felipe (Rocco Pitanga) como
"um negro boa gente". Bárbara, a
bandida, refere-se à mocinha negra interpretada por Taís Araújo,
como "aquela neguinha". Como
Afonso, milhares de espectadores formulam frases desse mesmo tipo, em que o "gente boa" se
opõe ao ser negro, com um "apesar de" oculto na fala. E, na hora
de desqualificar alguém, outros
tantos fazem coro com Bárbara
-destacam a origem étnica, nacionalidade, orientação sexual,
gênero etc. daquele que querem
xingar.
Um contra-exemplo pode ser
ainda mais esclarecedor: ao revelar a Edilásia (Rosi Campos) que
ela poderia ter um neto, Germana (Aracy Balabanian) faz questão de assinalar que o menino é
mulato -coisa que enche as
amigas de júbilo. Mesmo que
aparentemente para o "bem", está reservada para os negros a
condição de outro, daquele que
não somos nós.
Num país que tem mais vergonha do que culpa de ser racista e
continua tratando as outras etnias com enorme incômodo, a
franqueza naturalista com que
são registradas essas relações na
novela acaba por ter uma função
catártica.
E intenção esclarecedora transforma-se simplesmente em naturalização das operações mentais
que colocam negros e brancos
em territórios separados.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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