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Exposição "descanoniza" Machado
Museu da Língua Portuguesa se baseia em "Memórias Póstumas de Brás Cubas" para criar roteiro sobre obra do autor
Dividida em 11 capítulos, a mostra, que começa hoje para convidados, reúne sala de música do séc. 19, análise crítica, manuscritos e livros
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Machado de Assis nasceu em
21 de junho de 1839, no morro
do Livramento, no Rio. Mulato,
canhoto, passou a infância como agregado de uma família
mais abastada, experiência que
ecoou posteriormente em sua
obra. Intelectual autodidata,
teve ascensão social e entrou
para o cânone da literatura.
Cem anos após sua morte, o
Museu da Língua Portuguesa
de SP o homenageia com uma
exposição que abre ao público
amanhã e que tenta, em certa
medida, "descanonizá-lo".
"A idéia é o que o visitante seja um leitor da obra de Machado. Queremos "desmedalhonizar" Machado", diz Cacá Machado, que divide a curadoria
com Vadim Nikitin e teve consultoria de José Miguel Wisnik.
O eixo central de "Machado
de Assis: Mas Este Capítulo
Não É Sério?" é o romance
"Memórias Póstumas de Brás
Cubas". O visitante-leitor recebe na entrada um livreto com
50 páginas, em forma de um
charmoso almanaque. Espécie
de guia para a mostra, ele trará
dez contos de Machado, que variam de exemplar a exemplar.
A exposição é dividida em capítulos cujos nomes se referem
à obra de Machado. "Um Homem Célebre", o prólogo, reproduz uma sala do século 19,
com um piano de cauda, de onde se ouve uma trilha sonora
machadiana, com polcas, maxixes, Villa-Lobos etc.
Mais adiante, "Meu Caro Crítico" traz a evolução da crítica à
sua obra, em 16 excertos. Desde
contemporâneos do autor, como Sílvio Romero (1851-1914) e
José Veríssimo (1857-1916), até
os anos 60 e adiante, em que se
destacam as análises da brasilianista americana Helen Caldwell e dos brasileiros Roberto
Schwarz e Alfredo Bosi.
Cacá Machado diz que a documentação crítica, que "alinhava diversas camadas de interpretação" da obra de Machado, é um dos méritos da exposição, que, por conta de uma
mostra que acontece na Academia Brasileira de Letras, tem
poucos originais do bruxo do
Cosme Velho. Entre eles, manuscritos do primeiro capítulo
de "Esaú e Jacó" e do último capítulo de "Memorial de Aires".
Ferida racial
O último capítulo, "Delyrios", traz uma imagem do cortejo fúnebre de Machado, morto em 1908. Em ordem decrescente, apresenta uma cronologia, com momentos como a
fundação da ABL até chegar ao
que o curador chama de "ferida" racial em sua vida: as menções à sua ascendência negra.
Aqui estão contrapostos dois
textos: um artigo de José Veríssimo, que o descrevia como um
mulato "grego", "pelo seu profundo senso de beleza, pela harmonia de sua vida, pela euritmia da sua obra"; e uma carta
de Joaquim Nabuco, contrariado com a palavra "mulato": "Para mim [Machado] era um
branco (...); quando houvesse
sangue estranho, isso em nada
afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos
só vi nele o grego".
Terminado o percurso da exposição, o museu abriga o "Largo do Machado", com 400 livros que o público pode ler em
poltronas. Bem no clima de visitante-leitor proposto.
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