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CRÍTICA
Crianças são reduzidas a consumidores
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Desde a semana passada,
crianças menores de 14
anos não podem participar de
comerciais de TV. Isso na Itália.
A lei foi votada no meio de um
pacote de medidas que reforma
as telecomunicações no país e favorece o império televisivo do
primeiro-ministro Silvio Berlusconi.
Claro que a decisão está deixando publicitários e anunciantes italianos de cabelos em pé.
Mesmo para o espectador, é quase inconcebível imaginar publicidade na televisão sem a participação de crianças, acostumados
que estamos a vê-las estrelando
comerciais de toda a espécie. Mas
a decisão abre uma discussão
instigante para o Dia Internacional da Criança na TV, que é comemorado hoje.
Será que, em alguma medida,
não é necessário e urgente proteger a infância dos apelos do mercado? Digamos, que, a esta altura, apelo já é uma palavra demasiado benéfica para descrever o
que o mercado vem exigindo da
sociedade. Trata-se da adesão incondicional e acrítica à sua lógica
e aos seus valores, se é que dá para falar em valores.
É só puxar pela memória que
qualquer um de nós descobre sua
coleção particular de propagandas em que as crianças são objetificadas como consumidores de
forma aviltante. Aparentemente
poderosas e glamourosas, as
crianças de comercial de TV são
reduzidas a máquinas de comprar e pressionar adultos a consumir as coisas certas.
Dois exemplos, tomados mais
ou menos ao acaso, sintetizam os
extremos a que chega a propaganda que tem crianças como
protagonistas. O comercial de
um refrigerante popular sabor
guaraná mostrava a cena de um
pai e um filho no supermercado.
Quando o pai se dirige à gôndola
do refrigerante "errado", o rosto
da criança se entristece profundamente. Na cena seguinte, vemos o menino ainda muito cabisbaixo e abatido. O pai, rendido, finalmente aparece com o refrigerante X e, com isso, o rosto
da criança se ilumina.
O outro trabalhava com a mesma idéia de chantagem que as
crianças fazem com os pais para
vender um automóvel caro. Um
garoto no banco de trás de um
carro pede para o pai parar antes
porque não quer ser visto pelos
colegas; a cena se repete com
uma filha e uma mãe. Na próxima, vemos um garoto que faz
questão de ser deixado na frente
da festa ou da balada porque seus
pais, mais bem treinados, já trocaram o carro mixo pelo carro
bacana.
Em ambos, a relação das crianças com os pais é tratada com tal
cinismo e brutalidade que transforma os últimos em meros realizadores de impulsos consumistas e os primeiros, em consumidores vorazes ao ponto da tortura psíquica.
PS - Semana passada, a coluna
cometeu um lapso, ao se referir à
turma de "Friends" como "os
amigos do Central Park". Na verdade, o café onde eles se encontram chama-se Central Perk.
biabramo.tv@uol.com.br
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