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MÔNICA BERGAMO
Invadir, ocupar, colorir
Invadido há um ano por cerca de 2.000 pessoas
do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro), o edifício da Prestes Maia que fica ao lado
da Pinacoteca do Estado foi palco, na semana passada, de mais uma ocupação. Cem artistas -entre
eles, Regina Silveira e Rochelle Costi- inventaram
um tal de ACMSTC, ou Arte Contemporânea Movimento dos Sem-Teto do Centro, e deixaram galerias
e ateliês para invadir o prédio com suas intervenções artísticas. Durante vários dias, conviveram
com os moradores para preparar trabalhos que seriam expostos ao público sábado e hoje.
Para os artistas, trata-se de uma
excepcional experiência político-artístico-social. "Nós é que
estamos sendo "intervidos". É
uma experiência muito forte. O
suporte são as pessoas, e não o
lugar", diz Túlio Tavares, um
dos organizadores. "Estamos
nos abrindo para essa sociedade
voraz", diz Eduardo Verderame, 32. "É importante sair da esfera puramente artística e buscar situações de vida extremas."
Para muitos dos
moradores, aquela
festa estranha com
gente esquisita
não queria dizer
muita coisa. "Se
trouxessem cesta
básica, seria melhor", dizia Getúlio Veloso, 66, que
na quarta-feira caminhava indiferente entre os artistas. Veloso participou da invasão
do prédio da Prestes Maia, em 2002,
porque estava
apaixonado por
uma namorada
que aderiu ao movimento. Acabou
abandonado por
ela. Veloso usa um
tampão no olho.
Diz ele que perdeu
a visão "na Guerra
dos Seis Dias", por
Israel. Por causa
do problema, vê
cada imagem multiplicada por três.
A resistência dos moradores
foi sendo quebrada aos poucos.
A costureira maranhense Célia
Lopes, por exemplo, decidiu
participar da intervenção com
um desfile. Autoproclamada
"estilista do ridículo", convocou
12 vizinhas para desfilar com
roupas de plásticos verdes de
garrafas de refrigerante e fibra
de coco -como, segundo ela,
mulheres "pós-modernas".
Ao perceber o
vai-e-vem dos artistas, a costureira
maranhense Vanda Araújo, 42, pegou emprestada
uma máquina de
costura e fez várias
bonecas de pano
para vender durante a "festa" do
fim-de-semana.
Elas custam de R$
7 a R$ 15 e têm um
cheiro forte de sabonete. Moradora
há três meses do
edifício (ela antes
vivia em albergues), Vanda acha que, se vender muitas bonecas, pode recomeçar a vida, comprando uma
máquina de costura.
A fotógrafa Rochelle Costi, 42,
que participou da 24ª Bienal de
SP e de exposições internacionais, chegou ao prédio da Prestes Maia na quinta. Carregava
pedaços de outdoors feitos de
lona vinílica e não sabia muito o
que fazer. Na entrada, foi puxada pelo braço.
Era a moradora Izabel da Silva,
52, do primeiro andar. Pediu
para Costi "dar uma olhadinha"
em seus desenhos, de peixes,
flores e borboletas, em papel e
nas paredes. As duas acabaram
fazendo uma toalha e uma cortina, com desenhos de Izabel.
A participação mais badalada
do evento é a de Regina Silveira,
uma das artistas brasileiras de
maior reconhecimento internacional. Ela adaptou um desenho
para folhetos que serão distribuídos hoje pelos moradores.
A Pinacoteca fica a 200 m do
edifício. Mas, mesmo nas exposições gratuitas, os vizinhos
sem-teto nunca pisam lá.
"Imagine eu chegar lá de sandália havaiana!", diz Maria Jaira de
Andrade, 40, coordenadora dos
sem-teto e manda-chuva do
prédio. "Sou delegada na hora
de defender e promotora na de
acusar", diz. Os artistas ficaram
perplexos: na terça, uma moradora foi enxotada com os filhos
porque estava, supostamente,
fumando maconha.
Eduardo Verderame, 32, em exposição no Sesc Paulista, passou
dias no prédio fazendo, nas paredes, o contorno dos moradores. Depois, dentro das silhuetas, brincava de jogo-da-velha
com seus modelos -como
Frank Bruno do Nascimento, 7.
"O jogo-da-velha não tem fim,
como a nossa vida: uma hora
perde, outra hora ganha, mas a
gente continua jogando", explica Verderame. O pequeno
Frank não entendeu nada, mas
adorou brincar com o artista e
também com uma câmera que
emprestaram a ele. É que Frank
quer ser cineasta.
Há intervenções de todos os
tipos. José Luiz Sampaio, 28, e
Izabel Franco, 28, estão montando um quarto escuro com 20
câmeras de lata, para que os
moradores façam auto-retratos.
No último andar, o gravurista
André Bueno, 27, está fazendo
uma pipa de papel de 20 m. Difícil vai ser tirá-la de lá. "Os moradores entraram pela janela e só
saem daqui à força. Como a pipa", diz ele.
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