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Último roteiro de Rogério Sganzerla, finalizado no hospital, ganhará as telas pelas mãos de sua mulher
Ladrão de cena
BRUNO GHETTI
DA REDAÇÃO
Faz menos de 40 dias que o cineasta Rogério Sganzerla morreu,
mas o baú das obras inéditas que
ele deixou já dá amostras de sua
profundidade. A viúva do cineasta, a atriz Helena Ignez, 64, encabeça a equipe de recuperação do
acervo, que inclui desde escritos
esparsos sobre cinema a filmes inteiros prontos, jamais exibidos
comercialmente. E também roteiros inéditos, como "Luz nas Trevas - Revolta de Luz Vermelha",
que será dirigido por Ignez ainda
em 2004 (leia trecho abaixo).
O roteiro de "Luz nas Trevas"
foi o último escrito por Sganzerla,
terminado pouco tempo antes da sua morte, aos 58, no
dia 9 de janeiro deste ano.
"O Rogério trabalhou nele durante anos, deixando mais de mil
folhas de roteiro",
diz Beto Ronchezel,
49, colaborador de
Sganzerla e amigo da família. "O
argumento foi inscrito e ganhou o
edital do concurso da Ancine.
Desde então, o roteiro foi desenvolvido por Sganzerla até poucos
dias antes de morrer. Foi praticamente feito no hospital."
Helena Ignez explica o projeto:
"É um filme que se passa no início
dos anos 70 e vai até nossos dias.
"Luz nas Trevas" não é uma continuação de "O Bandido da Luz
Vermelha" [primeiro longa de
Sganzerla, de 1969], embora o
personagem Luz atravesse todo o
filme, desde os 70 até hoje. Por isso o subtítulo "Revolta de Luz
Vermelha'".
No filme, serão abordados os 30
anos de cárcere do Bandido da
Luz Vermelha, paralelamente à
história de seu filho, apelidado de
Tudo ou Nada, que caminha rumo à marginalidade.
"O Rogério definia essa história
como "comédia presidiária", ou
"melodrama presidiário". O filme
é um musical -nele, a música antecede as imagens. Além de uma
trilha original, o filme vai ter músicas que o Rogério escolheu
-músicas brasileiras, sons que
ele usou em "O Bandido", como as
guarânias, os "bolerões", e também música romântica, música
americana e até mesmo o som de
um conjunto de rap paulista", explica a diretora.
"Rogério definia o filme como
uma paráfrase da violência urbana no Brasil de hoje. Boa parte da
história se passa em presídio",
completa Ronchezel.
Por enquanto, Ignez prefere não
revelar a escalação de elenco e da
equipe técnica: "Quero ir com calma, fazer tudo passo a passo; mas
é evidente que já tenho uma idéia
de quem poderia integrar a equipe técnica, quem seria adequado
para representar cada personagem, mas terá a sua hora".
As filmagens, segundo ela, devem começar ainda em dezembro
deste ano. "Estamos armando a
produção, buscando patrocínios.
O roteiro e o projeto são bons,
acho que tudo vai se resolver."
Helena Ignez acredita que Sganzerla tenha deixado aproximadamente 25 roteiros inéditos prontos. Além de "Luz nas Trevas",
Sganzerla deixou vários roteiros
escritos, muitos já finalizados e
registrados. Dentre eles, uma história sobre o cangaço, passada no
sertão nordestino, intitulada
"Reinado Sangrento". Três anos
antes de morrer, Sganzerla convidou o hoje ministro da Cultura,
Gilberto Gil, para integrar o elenco do filme. "Gil faria uma participação especial como um cangaceiro velho, que viveu a experiência do cangaço. O roteiro foi registrado na Biblioteca Nacional e Gil
tinha até aceitado, mas Rogério
adoeceu antes", diz Ignez.
Dentre os roteiros inéditos, há
ainda um sobre a Guerra de Contestado -tema sobre o qual
Sganzerla já havia trabalhado em
um estudo feito em 16 mm- e
uma adaptação de "Asfalto Selvagem", de Nelson Rodrigues (Ignez diz que o cineasta "já tinha até
a autorização do filho do Nelson
para filmar o roteiro").
"E há ainda curtas, médias e
longas-metragens jamais exibidos comercialmente", afirma Ignez, destacando o filme "Carnaval
na Lama", de 1970, que jamais
chegou a ser exibido. "A época era
complicada, éramos muito tolhidos pela falta de liberdade. Mas
Rogério rodou o filme, e a cópia
hoje se encontra em bom estado
de conservação. O problema é
que o filme nunca recebeu uma
edição final, senão poderia ser
exibido sem maiores problemas",
ela diz sobre o filme, que foi rodado em São Paulo e Nova York,
com Jorge Mautner no elenco e
participações especiais de artistas
como a cantora Gal Costa e o escritor Antonio Bivar.
No acervo deixado por Sganzerla "há coisas sendo achadas a cada
momento. Helena [Ignez] sabe da
existência de vários dos roteiros e
filmes, mas não sabe onde estão.
Às vezes ela me liga, dizendo: Beto, você não acredita no que eu
achei hoje!", conta Ronchezel. Alguns filmes já estão selecionados
para restauração, como "HQ",
curta sobre histórias em quadrinhos, "A Mudança de Hendrix",
gravação de imagens de Jimi Hendrix em Londres (com Gil e Caetano assistindo-lhe na platéia), e
"O Petróleo Nasceu na Bahia",
média-metragem sobre a exploração do petróleo naquele Estado.
Com tanto material (fora o que
ainda não foi encontrado), a viúva
e os amigos de Sganzerla decidiram criar uma espécie de centro
cultural abrigando toda a obra do
cineasta. A sede vai ser no parque
da Luz, em São Paulo.
"Fico muito feliz que tenham
disponibilizado um espaço para
isso, sobretudo num lugar tão
simbólico quanto a Luz, que é onde grande parte de "O Bandido da
Luz Vermelha" foi rodado", afirma Ignez. E Ronchezel complementa: "A idéia é que o lugar seja
também um ponto de encontro
das pessoas de cinema".
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