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MÍDIA
Carl Bernstein, um dos jornalistas que revelaram o caso Watergate, fala sobre Michael Moore e a busca pela informação
"Imprensa dos EUA é a melhor do mundo"
DO "MONDE", EM LOCARNO (SUÍÇA)
Trinta e dois anos depois de, ao
lado do colega Bob Woodward,
ter divulgado o escândalo de Watergate, que acabaria provocando
a queda do presidente dos EUA
Richard Nixon em 9 de agosto de
1974, o jornalista Carl Bernstein
esteve no Festival de Locarno, encerrado ontem. Ali, apresentou
"Todos os Homens do Presidente" (de Alan Pakula; 76), na retrospectiva "Newsfront", dedicada aos jornalistas no cinema.
A seguir, Bernstein fala em entrevista coletiva.
Pergunta - Olhando em retrospectiva, o que você acha de "Todos
os Homens..." hoje e da maneira
como foi representado no filme?
Carl Bernstein - Desde que o filme foi lançado, eu só o revi uma
vez, dois anos atrás, e fiquei muito
satisfeito por constatar que ele
não envelheceu. Acho que a explicação disso não está tanto nos
personagens, Bob Woodward e
eu, mas na maneira como foi representado todo o processo de
uma boa reportagem e como o
jornal, como instituição, engajou-se por inteiro naquele grande trabalho de investigação.
Pergunta - Michael Moore disse
esperar que "Fahrenheit 11 de Setembro" mude o resultado da eleição presidencial. Você acha que um
filme pode ter esse poder?
Bernstein - Acho que esse filme é
um bom trabalho, mas não existe
nenhuma obra que possua tamanho poder. Se houvesse, Watergate teria mudado o curso das eleições de 1972. Deve-se considerar
o processo cultural e político como um todo. "Fahrenheit" é um
elemento entre outros. Quanto ao
seu conteúdo, há problemas reais
de contexto, mas isso não impede
que sua demonstração chegue
mais perto da verdade do que todas as que Bush fez até agora.
Pergunta - Moore acha que a população não é suficientemente
bem informada, especialmente pelas grandes redes de TV. Você acha
que ele veio substituir outros
meios de comunicação?
Bernstein - Nos últimos 50 anos,
os livros, os jornais, as revistas, as
TVs e o cinema, todos desempenharam um papel na constituição
da informação. "Fahrenheit"
exerceu um papel em nossa cultura política; acho que a amplitude
dos debates que o filme suscitou
se explica por seu sucesso comercial. Para quem se interessa em
procurá-la, a informação não falta; o problema está tanto no consumidor da informação quanto
entre aqueles que a produzem.
Pergunta - Você acha que a imprensa escrita perdeu influência?
Bernstein - Em primeiro lugar,
quero afirmar minha convicção
de que a imprensa escrita americana é a melhor do mundo. O jornalismo no Reino Unido vem decaindo há 30 anos, especialmente
em razão da influência desastrosa
de [Rupert] Murdoch [dono de
um império de comunicação]. Na
Alemanha, na França e na Itália, o
problema é outro: a reportagem
verdadeira, à qual chamo de a
procura pela "melhor versão possível da verdade", não é algo a que
seja dada importância grande,
porque os jornais são guiados por
considerações ideológicas.
Isso dito, a televisão hoje domina a informação recebida pela
maioria dos americanos e dos europeus. As redes de jornalismo 24
horas por dia têm cada vez menos
ligações com a informação verdadeira, mais ainda em razão da
concorrência para ver quem grita
mais alto. As reportagens são
quase inexistentes nessas redes.
Pergunta - Como você vê o crescente espírito de contestação do
público em relação à mídia?
Bernstein - Talvez não mereçamos mais confiança do que isso,
talvez não estejamos fazendo nosso trabalho a contento. Mas é preciso desconfiar dessas generalizações. Criticou-se muito a imprensa americana por não ter investigado Bush suficientemente. Hoje,
porém, acho que já sabemos muitas coisas sobre esse presidente e
sobre seu governo.
Pergunta - Em que medida você
acha que a imagem pode ser vista
como fonte de verdade?
Bernstein - A imagem é uma ferramenta que precisa ser completada por entrevistas, comentários,
outros elementos documentais.
De tempos em tempos, porém,
acontece de uma imagem -como as de Abu Ghraib- constituir
uma história enorme em si.
Pergunta - Se você tivesse que escolher entre a verdade e a lenda,
como John Ford faz James Stewart
dizer em "O Homem que Matou o
Facínora": "Quando a lenda vira
realidade, imprima a lenda"...
Bernstein - Sinto muita admiração por John Ford, mas não concordo com essa frase. Acho que
ela tem muito a ver com a vitória
do trivial sobre o que realmente
tem significado, com o reinado da
fofoca maldosa, do culto à celebridade. Deixamos de buscar a melhor versão da verdade e nos afastamos dela. O valor da fofoca, do
sensacionalismo, é cada vez mais
o da nossa profissão. A influência
de Murdoch, em especial -que
utilizo aqui como metáfora de um
movimento mais amplo-, promoveu uma cultura imbecil. Mas,
atenção! Nossa profissão não se
resume a isso, felizmente.
Tradução de Clara Allain
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