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"Brincando de Matar Monstros" defende a necessidade de desenhos e jogos de atirar no desenvolvimento das crianças
Licença para matar
DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL
Videogame e desenhos violentos fazem mal às crianças? Pergunte a elas. O conselho é de Gerard Jones, 46, pai de um garoto
de 11 anos e autor de "Brincando
de Matar Monstros - Por que as
Crianças Precisam de Fantasia,
Videogames e Violência de Faz-de-Conta", lançado em 2002 nos
EUA e só agora no Brasil.
Consultor de mídia do Massachussets Institute of Technology
(MIT) e criador de roteiros de
quadrinhos e programas infantis,
Jones argumenta que "durante
décadas, a pesquisa em psicologia
havia tentado provar que a violência no entretenimento deixa as
crianças mais agressivas, ou as desestabiliza, ou distorce sua visão
de realidade. Pouquíssimos tinham perguntado por que elas
gostam disso, que benefícios lhes
poderia trazer".
Criado na frente da televisão e
dos quadrinhos na década de 60,
o autor decidiu remar na contramão das pesquisas que dizem que
a violência na mídia afeta negativamente o comportamento das
crianças. Em encontros com psicólogos e workshops que lidavam
com a imaginação e a capacidade
de contar histórias das crianças,
chegou à conclusão de que, se alguém tem culpa pela violência das
crianças, são os próprios adultos.
Apedrejado em praça pública?
"Francamente, a resposta que obtive das pessoas foi alívio por alguém ter dito essas coisas que todo mundo sabe", disse Jones em
entrevista à Folha, por telefone,
de San Francisco. Leia a seguir
trechos da conversa.
Folha - Em seu livro, você defende
que brincar com armas de brinquedo é "algo universal" e saudável.
Como sustentar esse argumento
quando eventualmente uma criança pega uma arma de verdade e sai
atirando nos amigos na escola?
Gerard Jones - Mesmo em países
onde armas são difíceis de encontrar, as crianças brincam de apontar o dedo e dizer ""bangue-bangue". Não há como tentar traçar
uma conexão entre isso e as armas
de verdade. Estudos mostram que
as pessoas que gostam de armas
quando adultos são aquelas que
cresceram em famílias que possuíam ou usavam armas de verdade. A cultura de armas é nutrida
em lugares onde armas são parte
da vida real. E isso é algo que tem
que ser tratado no âmbito da realidade. Se você está criando seus
filhos no mundo real, em que armas não são aprovadas, o que eles
fazem aos seis ou sete anos não
deve afetar isso.
Folha - Se os videogames com cenários e personagens são cada vez
mais realistas, como a criança pode
discernir a fantasia da realidade?
Jones - Em primeiro lugar, fala-se tanto do realismo nos games,
mas questiono se as pessoas pararam para olhar os jogos. São só
um amontoado de pixels na tela.
Além disso, crianças pequenas, de
cinco a oito anos, gostam de games e seriados mais cartunescos,
como "Power Rangers" e "Sonic".
Só quando eles têm entre dez e 12
anos querem algo mais convincente, porque já fizeram a separação entre entretenimento e realidade. Há um grande estudo na Inglaterra que mostra que as crianças não são tão afetadas por imagens explícitas de grande impacto. O que as afeta são coisas que
parecem realistas demais, como a
referência, mesmo que só falada
na TV, a adultos que batem em
crianças. Isso é muito mais perturbador, porque acham que pode acontecer com elas.
Folha - Você está dizendo que
parte do movimento da sociedade
contra desenhos e videogames é
desinformação, preconceito?
Jones - Certamente há o fato de
conter mais sangue, mais violência explícita do que se considera
certo para crianças de certas idades. Mas existe também o que
chamo no livro de "ansiedade
com os novos meios". Programas
que hoje parecem realmente seguros, como o "Papa-Léguas",
preocuparam também os adultos
quando a TV era novidade. Quando crescemos e vemos que já fazem parte da nossa paisagem cultural, não nos preocupamos tanto
com os antigos, mas com os novos, que não entendemos.
Folha - O mesmo vale para os desenhos japoneses, por serem estrangeiros?
Jones - Não por serem do Japão,
mas porque o estilo é diferente do
que estamos acostumados. "Pokémon", por exemplo, é um programa muito bom para as crianças. Ensina-lhes a trabalharem
juntos, a nutrir pequenos sonhos.
Quando olhamos a TV buscando
um valor educacional procuramos algo acadêmico. Mas a educação emocional também é muito
importante. E geralmente o entretenimento educativo oficial não
considera essas necessidades.
Programas mais populares freqüentemente oferecem um desenvolvimento emocional que
não se encontra nas escolas ou
nos programas educativos oficiais. Honestamente, nos últimos
dez anos os japoneses têm sido os
melhores do mundo na produção
de cultura infanto-juvenil.
Folha - Você diz que foi um consumidor de quadrinhos e desenhos
na infância. O que mudou hoje?
Jones - Acho que há mais semelhanças. Algo com relação a ser
pequeno e submisso e encontrar
um meio de se tornar mais poderoso, superar oponentes maiores
que você ou mais experientes. A
grande mudança é a quantidade
de sangue, que aumentou. Parte
por causa da tecnologia dos efeitos especiais, parte por causa dos
padrões morais que mudaram.
Como cultura estamos mais relaxados com esses assuntos, incluindo conteúdo sexual. O sangue não é interessante por si só, é
algo extra. Esses games não vendem mais se a qualidade da ação e
do jogo não forem as mesmas.
Folha - E o rap, que influência pode ter sobre as crianças que convivem diariamente com a violência?
Jones - Uma das funções das histórias é que ajudem as pessoas a
entender o que acontece ao redor
delas. Você não se sente tão só, se
sente reconhecido. Em geral, isso
é saudável e até dá às pessoas uma
saída para que se tornem artistas
ou ainda que escrevam sobre suas
experiências nas canções. É um
engano achar que uma história ou
uma música sempre reforça algo,
em muitos casos é só uma maneira de reduzir a ansiedade, dando
mais entendimento e controle
psicológico sobre a realidade.
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