São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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"Brincando de Matar Monstros" defende a necessidade de desenhos e jogos de atirar no desenvolvimento das crianças

Licença para matar

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Videogame e desenhos violentos fazem mal às crianças? Pergunte a elas. O conselho é de Gerard Jones, 46, pai de um garoto de 11 anos e autor de "Brincando de Matar Monstros - Por que as Crianças Precisam de Fantasia, Videogames e Violência de Faz-de-Conta", lançado em 2002 nos EUA e só agora no Brasil.
Consultor de mídia do Massachussets Institute of Technology (MIT) e criador de roteiros de quadrinhos e programas infantis, Jones argumenta que "durante décadas, a pesquisa em psicologia havia tentado provar que a violência no entretenimento deixa as crianças mais agressivas, ou as desestabiliza, ou distorce sua visão de realidade. Pouquíssimos tinham perguntado por que elas gostam disso, que benefícios lhes poderia trazer".
Criado na frente da televisão e dos quadrinhos na década de 60, o autor decidiu remar na contramão das pesquisas que dizem que a violência na mídia afeta negativamente o comportamento das crianças. Em encontros com psicólogos e workshops que lidavam com a imaginação e a capacidade de contar histórias das crianças, chegou à conclusão de que, se alguém tem culpa pela violência das crianças, são os próprios adultos.
Apedrejado em praça pública? "Francamente, a resposta que obtive das pessoas foi alívio por alguém ter dito essas coisas que todo mundo sabe", disse Jones em entrevista à Folha, por telefone, de San Francisco. Leia a seguir trechos da conversa.

 

Folha - Em seu livro, você defende que brincar com armas de brinquedo é "algo universal" e saudável. Como sustentar esse argumento quando eventualmente uma criança pega uma arma de verdade e sai atirando nos amigos na escola?
Gerard Jones -
Mesmo em países onde armas são difíceis de encontrar, as crianças brincam de apontar o dedo e dizer ""bangue-bangue". Não há como tentar traçar uma conexão entre isso e as armas de verdade. Estudos mostram que as pessoas que gostam de armas quando adultos são aquelas que cresceram em famílias que possuíam ou usavam armas de verdade. A cultura de armas é nutrida em lugares onde armas são parte da vida real. E isso é algo que tem que ser tratado no âmbito da realidade. Se você está criando seus filhos no mundo real, em que armas não são aprovadas, o que eles fazem aos seis ou sete anos não deve afetar isso.

Folha - Se os videogames com cenários e personagens são cada vez mais realistas, como a criança pode discernir a fantasia da realidade?
Jones -
Em primeiro lugar, fala-se tanto do realismo nos games, mas questiono se as pessoas pararam para olhar os jogos. São só um amontoado de pixels na tela. Além disso, crianças pequenas, de cinco a oito anos, gostam de games e seriados mais cartunescos, como "Power Rangers" e "Sonic". Só quando eles têm entre dez e 12 anos querem algo mais convincente, porque já fizeram a separação entre entretenimento e realidade. Há um grande estudo na Inglaterra que mostra que as crianças não são tão afetadas por imagens explícitas de grande impacto. O que as afeta são coisas que parecem realistas demais, como a referência, mesmo que só falada na TV, a adultos que batem em crianças. Isso é muito mais perturbador, porque acham que pode acontecer com elas.

Folha - Você está dizendo que parte do movimento da sociedade contra desenhos e videogames é desinformação, preconceito?
Jones -
Certamente há o fato de conter mais sangue, mais violência explícita do que se considera certo para crianças de certas idades. Mas existe também o que chamo no livro de "ansiedade com os novos meios". Programas que hoje parecem realmente seguros, como o "Papa-Léguas", preocuparam também os adultos quando a TV era novidade. Quando crescemos e vemos que já fazem parte da nossa paisagem cultural, não nos preocupamos tanto com os antigos, mas com os novos, que não entendemos.

Folha - O mesmo vale para os desenhos japoneses, por serem estrangeiros?
Jones -
Não por serem do Japão, mas porque o estilo é diferente do que estamos acostumados. "Pokémon", por exemplo, é um programa muito bom para as crianças. Ensina-lhes a trabalharem juntos, a nutrir pequenos sonhos. Quando olhamos a TV buscando um valor educacional procuramos algo acadêmico. Mas a educação emocional também é muito importante. E geralmente o entretenimento educativo oficial não considera essas necessidades. Programas mais populares freqüentemente oferecem um desenvolvimento emocional que não se encontra nas escolas ou nos programas educativos oficiais. Honestamente, nos últimos dez anos os japoneses têm sido os melhores do mundo na produção de cultura infanto-juvenil.

Folha - Você diz que foi um consumidor de quadrinhos e desenhos na infância. O que mudou hoje?
Jones -
Acho que há mais semelhanças. Algo com relação a ser pequeno e submisso e encontrar um meio de se tornar mais poderoso, superar oponentes maiores que você ou mais experientes. A grande mudança é a quantidade de sangue, que aumentou. Parte por causa da tecnologia dos efeitos especiais, parte por causa dos padrões morais que mudaram. Como cultura estamos mais relaxados com esses assuntos, incluindo conteúdo sexual. O sangue não é interessante por si só, é algo extra. Esses games não vendem mais se a qualidade da ação e do jogo não forem as mesmas.

Folha - E o rap, que influência pode ter sobre as crianças que convivem diariamente com a violência?
Jones -
Uma das funções das histórias é que ajudem as pessoas a entender o que acontece ao redor delas. Você não se sente tão só, se sente reconhecido. Em geral, isso é saudável e até dá às pessoas uma saída para que se tornem artistas ou ainda que escrevam sobre suas experiências nas canções. É um engano achar que uma história ou uma música sempre reforça algo, em muitos casos é só uma maneira de reduzir a ansiedade, dando mais entendimento e controle psicológico sobre a realidade.


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