São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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MÚSICA

Gravadora relança em coleção de nove discos a obra completa da cantora Clara Nunes; Wilson Simonal é o próximo

Caixas sobrevivem à crise do formato CD

9.abr.1978/Folha Imagem
A cantora mineira Clara Nunes, cuja obra completa acabou de ser lançada em caixa de nove CDs


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Muito se fala sobre crise da indústria fonográfica e extinção do CD, mas continua em movimento o mercado, bem mais restrito, de coleções de discos acondicionados em caixas luxuosas.
Na semana que passou, a gravadora EMI levou às lojas "Clara", com a obra completa da cantora Clara Nunes (1943-1983) agrupada em nove CDs. Nos próximos dias, a mesma EMI arranca do ineditismo a íntegra da obra em seu poder do renegado Wilson Simonal (1938-2000).
"O grande tesouro das gravadoras é o catálogo, ele ajuda a financiar artistas novos", justifica o gerente de marketing estratégico da EMI, Luiz Garcia. "Se temos hoje uma caixa de Clara Nunes, é porque um dia, no passado, foi investido um dinheiro forte nela."
Na Universal, outra gravadora atuante na edição de caixas, o gerente de marketing estratégico, Ricardo Moreira, adiciona outra vantagem: "A pirataria não macula as caixas, em tempo algum".
Se a pirataria não concorre com as caixas, por outro lado elas costumam ter vendagens modestas (leia quadro ao lado), longe dos milhões dos vorazes anos 90. Mas Moreira atesta sua viabilidade comercial: "Não existe nenhum caso em que tenhamos ficado no vermelho. É totalmente viável".
É, mas, sim, também é elitista, direcionado a nichos muito específicos de público. "Mal comparando, o mercado de caixas é como o de carros de luxo. Pode-se parar de vender carrinhos populares, mas para o de luxo há sempre mercado", diz Moreira, citando com surpresa o dia em que viu na Fnac a mesma pessoa adquirindo uma caixa de Chico Buarque e outra de Gilberto Gil. "Nunca antes havia visto alguém comprar uma caixa", entrega-se.

Estratégias
A crise não deixa de afetar os departamentos ditos de marketing estratégico, que apostam em retorno mais institucional e de prestígio que financeiro. Pela EMI, Luiz Garcia descreve: "Já se foi o tempo em que o mercado consumia qualquer coisa, em que nem se fazia conta prévia para saber se um produto é rentável ou não".
Ele diz que a gravadora nunca faz tiragens inferiores a mil exemplares e tira as caixas de catálogo se as vendas não são satisfatórias. "É mais barato deixar de lançar que se esforçar e não chegar a vender mil exemplares", formula o óbvio.
Entre as que já lançou, a EMI só mantém em catálogo as caixas de Altemar Dutra, Dorival Caymmi e Elza Soares. A Universal adota política diferente: conserva tudo sempre em catálogo.
A BMG foi a primeira a difundir o hábito no Brasil, em 95, quando iniciou com Orlando Silva série de caixas luxuosas de CDs de estrelas da era do rádio. É dessa leva a segunda caixa mais vendida até hoje: a de Luiz Gonzaga, com 48 mil exemplares (a Legião Urbana é lider, com 50 mil caixas vendidas).
Esse departamento está hoje desativado na BMG, que não comenta o assunto. A Sony, que imitou a BMG em caixas de Silvio Caldas e Cauby Peixoto, passou recentemente a Zé Ramalho e Fagner. E só -Roberto Carlos, por exemplo, nunca virou caixa.
Mais tímida ainda é a Warner, que vendeu 2.000 caixas de Gilberto Gil e ficou só nisso. A independente Velas, por outro lado, convenceu 10 mil consumidores a adquirir a caixa-façanha com todos os fonogramas gravados pelo pioneiríssimo Noel Rosa.

Clara Nunes, promessas
Embora vença concorrentes em assiduidade, a EMI derrapa na qualidade técnica em sua mais nova realização. "Clara" tem o mesmo formato da anterior "Negra", de Elza Soares.
Em ambas a estratégia, econômica, mas questionável em termos de fidelidade aos discos originais, é reunir dois antigos LPs em cada CD -no pólo contrário, 40 discos de Caetano Veloso viraram 40 CDs na mais cara de todas as caixas, da Universal (R$ 362,70, no site www.somlivre.com.br).
No caso de Clara, a iniciativa perde para reedição anterior da própria EMI. Ali, cada LP virara um CD com faixas-bônus, encarte caprichado e supervisão do ex-marido da cantora, Paulo César Pinheiro. Agora, dá impressão de pressa -a caixa não é colada e se desmonta no manuseio, há capa adulterada, capa trocada por contracapa ("Claridade"), um CD de raridades sem nenhuma informação sobre datas e situações originais de gravação. O preço sugerido pela empresa não dá desconto à precariedade -R$ 210.
No sentido de qualidade artística, mantêm-se imbatíveis até hoje os dois volumes dedicados pela Universal a Nara Leão, com arte gráfica de sua sobrinha (e artista plástica) Pinky Wainer. O apuro artístico de forma e conteúdo é o forte das caixas de Chico Buarque, Elis Regina, Erasmo Carlos (todas Universal) e Carmen Miranda (EMI). A de Caetano vai na mesma linha, mas com equívocos na recuperação das fitas originais.
BMG, Sony e Warner não se comprometem com novos projetos, relatados apenas pelas mesmas Universal e EMI.
A primeira diz que tentará editar, neste ano ou no próximo, caixas de Tom Jobim, Jorge Ben Jor e Ney Matogrosso. A segunda tem na fila Egberto Gismonti e Marcos Valle, mas não arrisca datas -e abre alas, após três décadas de desterro, a Wilson Simonal.


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