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Crítica/teatro/"Otelo"
Diogo Vilela reduz Otelo a uma paródia grotesca
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A ambição de Diogo Vilela em querer ser Iago é
justificável. Já tendo
um Hamlet no currículo, com
direção de Marcus Alvisi, seu
parceiro constante, Otelo é naturalmente o passo seguinte.
Vilela, que já foi o louco de
Gogol e o Tio Vânia de Tchecov,
possui um vocabulário entre o
melancólico e sarcástico, que se
presta bem ao desafio do papel,
que se mantém, como Ricardo
3º, no limite tênue entre o cômico e o trágico.
Como mostra Barbara Heliodora, Otelo é uma tragédia
construída com a estrutura de
uma comédia: o habitual ridículo do traído deve ser evitado
pela dignidade de Otelo, que vai
paulatinamente tornando-se o
monstro arquitetado pelo falso
amigo Iago, até mergulhar em
um melodrama despudorado.
A ambição, porém, de co-dirigir a peça pode estar na origem do constrangedor equívoco que é essa montagem. Caracterizado desde o início com excessos, entonação caricatural e
sem nenhuma sutileza quando
se dirige à platéia, Vilela faz toda a montagem girar em torno
de um Iago monolítico, que sistematicamente rouba as cenas
com os mesmos truques histriônicos. Da primeira à última
cena, a platéia gargalha com um
comediante que reduz a tragédia de Shakespeare a uma paródia grotesca.
Pior para o resto do elenco,
que fica à deriva. Para Marcelo
Escorel, sobra pouco mais do
que tirar risos do público ao
elogiar a amizade de Iago, depois que ele tão claramente expõe o contrário.
Jogada nessa fogueira das
vaidades, Marcella Rica estréia
com o pé esquerdo na profissão.
Adequada só superficialmente
para o papel, a adolescente loira
e frágil soa anacrônica, como
uma menina de shopping perdida no mundo de adultos.
Seria injusto, no entanto,
afirmar que ela é uma atriz de
teatro infantil deslocada em
uma montagem adulta. Soa
bem pouco madura toda a encenação, que na cara pretensão
de ser uma montagem "de época" parece se embasar na estética nos épicos hollywoodianos
dos anos 50, com seus patéticos
soldados dançarinos e trilha
grandiloqüente sempre em primeiro plano, além de um figurino de gosto medonho.
Nem a tradução se aproveita.
Empolada e literária a ponto de
obrigar Rose Abdallah a literalmente cuspir seu último texto
de Emília, é "modernizado" de
quando em quando por expressões como "pelados na cama"
ou "fazer a cabeça". Curiosamente, quem melhor sobrevive
é o ator com pior dicção, por
seu sotaque italiano: Alvise Camozze é um clown eficiente em
um papel que prevê um clown,
o que faz dele, contraditoriamente, o único a manter a dignidade em cena.
Não está errado Vilela em sua
ambição. Shakespeare é um autor sempre necessário, mesmo
nos desastres. Está errado em
sua vaidade. Ao querer centralizar tudo em torno de si, revelando uma leitura superficial
de Otelo e, quem sabe, da função teatral, Vilela acaba demonstrando uma mediocridade injusta para a sua importante carreira -que é, em última
análise, o que impede que se
possa ser condescendente com
essa paródia grotesca de Otelo.
OTELO
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom.,
às 18h; até 31/8
Onde: teatro Raul Cortez - Fecomercio
(r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. 0/xx/
11/3188-4141; 14 anos)
Quanto: R$ 60 a R$ 70
Avaliação: péssimo
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