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MÔNICA BERGAMO
Chris von Ameln/Folha Imagem
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Laura Bacellar organizou um sarau para mulheres e dele surgiu o grupo Umas e Outras |
No fim do arco-íris, um pote de ouro
Em 1982, o escritor João Silvério Trevisan, autor de livros
celebrados como "Devassos
no Paraíso" e "Ana em Veneza",
ajudou a organizar uma passeata em São Paulo para protestar
contra um delegado que prendia travestis. Caminhou pela
avenida Vieira de Carvalho com
500 pessoas -e presenciou moradores de prédios jogando dejetos sobre elas.
Duas décadas depois, Trevisan é um dos que se espantam
(positivamente) ao assistir à Parada do Orgulho GLBT (Gays,
Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). "Hoje, um milhão recebem chuva de papel picado",
diz. Em junho, o evento reuniu
800 mil pessoas na avenida Paulista -tornando-se a terceira
parada gay do mundo, atrás da
de San Francisco (EUA) e Toronto (Canadá). "Eu não esperava que, no ritmo em que as
coisas andam no Brasil, tudo
acontecesse tão rapidamente."
Foram 21 trios elétricos desfilando na avenida, numa parada
que custou R$ 650 mil e teve
parte de seus custos coberta pelos patrocínios da Volkswagen,
da agência AlmapBBDO, além
de um trio oficial da prefeitura.
Com o sucesso do evento, os
seis atuais dirigentes da Associação do Orgulho GLBT, que
organiza a parada, começaram
a ser assediados como nunca. E
estão cheios de planos. Querem
criar grupos gays dentro do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e
dos movimentos de sem-teto.
Procurados pela pastoral carcerária, ligada à igreja, vão trabalhar em presídios com gays
condenados; estão negociando
com a Gidal, revendedora de celulares BCP, um plano corporativo para que seus associados
usem aparelhos com desconto;
estão em contato com representantes do HSBC para obter vantagens para o público gay; e pretendem procurar o BankBoston
para que a instituição financie
uma sede para a associação. Renato Baldin, 26, que estuda arquitetura na FAU-USP e é diretor cultural da associação, está à
frente das negociações.
A associação vive da contribuição de 300 associados -arrecada algo como R$ 30 mil por
ano- e funciona numa pequena sala de um prédio da pça. da
República, emprestada pela
ONG Ação da Cidadania. Pretende contratar uma empresa
que capte patrocínio por meio
de leis de incentivo à cultura
-para os patrocínios da parada, a associação já conseguiu
obter incentivos fiscais.
A explosão da web é considerada um marco por muitos militantes. "A mobilização é imediata", diz a tradutora Míriam
Martinho, 49, diretora da ONG
Rede Um Outro Olhar. Míriam
está organizando uma comemoração do Dia Nacional do
Orgulho Lésbico, na próxima
terça, 19. Na data, há 20 anos,
ocorreu a primeira manifestação lésbica no Brasil, contra os
donos do Ferro's Bar, ponto de
encontro de lésbicas. Eles não
queriam que militantes vendessem ali seu boletim.
A editora Laura Bacellar, 42,
organiza saraus para lésbicas e
acredita que a internet foi fundamental para expandir o evento, que reúne em torno de 80
pessoas. Trevisan julga que a
disposição da mídia de divulgar
as paradas deu o impulso mais
importante ao movimento
-que nasceu nos anos 70, arrefeceu nos 80, com o surgimento
da Aids, e explodiu nos 90. Tanto sucesso já causa divisão: Beto
de Jesus, um dos organizadores
das paradas, se afastou do movimento. Os atuais dirigentes o
acusam de trabalhar em causa
própria -ele foi candidato
(derrotado) a deputado pelo PT
em 2002. "Houve briga, sim.
Mas é tudo ciumeira", diz Beto.
O poder de fogo
do grupo é grande.
O patrocínio de R$
300 mil da Volkswagen e da Almap, exclusivo para a parada,
foi arrancado na marra: irritados com um
anúncio da montadora,
feito pela Almap, que
mostrava um gay, dirigentes da parada ameaçaram fazer piquete na fábrica. "No dia seguinte,
Volks e Almap baixaram
aqui", afirma Nelson Pereira,
37, presidente da associação.
Como forma de "retratação",
eles pediram R$ 800 mil para a
parada. Levaram R$ 300 mil. As
empresas não comentam.
Lula Ramirez, do grupo Corsa
(Cidadania, Orgulho, Respeito,
Solidariedade e Amor), organizou o beijaço no shopping Frei
Caneca, protesto por um segurança ter repreendido um casal
gay que se beijava. O Corsa, que
existe há oito anos e funciona
numa sala no Tatuapé, tem 60
associados, é um grupo de discussão, e não de militância. Ainda assim, foi fácil organizar o
protesto. Bastou enviar mensagens pela internet.
TRANSGÊNEROS
Gays versus gays
Segunda-feira, dia 11, 21h:
Priscila Prado, Pamella Anderson, Ilana Pavão e outras
13 "meninas", como travestis
se referem umas às outras, se
reúnem num prédio na Praça
da República. Na pauta, a discriminação que sofrem, da
polícia, da imprensa -e dos
próprios gays.
Elas têm sido barradas em
casas noturnas GLS, que cobram R$ 5 de homens e R$ 50
de travestis. Pamella é a mais
indignada: quer reunir um
grupo e ficar na fila numa das
casas. No que a bilheteria
apresentar a sobretaxa, surpresa! Elas chamam o advogado. A coordenadoria de
transgêneros de SP foi criada
há cinco meses, pela Associação do Orgulho GLBT, e é liderada por Priscila Prado, 33,
que faz teatro. Ela já se reuniu
com o comando da PM para
reclamar de agressões e prepara uma manifestação em
frente à prefeitura. Mas não
tem sido fácil mobilizar as
"meninas". Uma das idéias é
distribuir panfletos em prédios em que só vivem travestis, divulgando, por exemplo,
que a coordenadoria dá assistência jurídica para quem
quer alterar o nome no RG.
Manual de etiqueta
Há duas décadas, o grande
charme no mundo gay era
referir-se a si mesmo, ou ao
outro, como "entendido"
-"senha" que designava
aqueles que namoravam
pessoas do mesmo sexo.
Hoje, a expressão é considerada de uma cafonice sem
tamanho. E, então, como se
comportar para, não sendo
gay, mas convivendo com
centenas deles, não dar
aquele baita fora?
É fogo. "Etiqueta é uma
coisa baseada em práticas
sociais consensuais. Como a
"saída do armário" está acontecendo agora, ainda não
houve tempo de elaborar
um manual", diz a cantora
Vange Leonel, que assina a
coluna GLS da Revista da
Folha. Mas ela dá dicas de
vocabulário:
Casamento gay - Errado.
Há uma conotação religiosa
no termo. O correto é dizer
"união" ou "parceria" gay.
Opção sexual - Errado. Não
se trata de escolha. Melhor
dizer "orientação sexual".
Namorado/Namorada
-°Ótimo. É uma expressão
mais próxima, informal, e
que indica o frescor do relacionamento. "Esposa/Marido" soa careta; "Parceiro/a"
é adequado para ocasiões
formais; "Companheiro/a"
dá, diz Vange, "aquela impressão de "68 foi uma barra'"; "caso", nem pensar.
Lésbica - É o termo preferido dos ativistas. Mas sofre
resistências. Outra opção é
"bolacha", muito usada pelos "clubbers", e "lés", que
apareceu recentemente no
vocabulário. Para os homens, o caso já está resolvido: gay (que elas também às
vezes adotam) é palavra de
aceitação universal.
@ - bergamo@folhasp.com.br
COM JOÃO LUIZ VIEIRA, ALVARO LEME E CLEO GUIMARÃES
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