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Superligados na TV
Pesquisa realizada em dez países revela que crianças brasileiras são campeãs em ver televisão
DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
As crianças e os adolescentes
brasileiros são provavelmente os
que mais vêem televisão no mundo. Por outro lado, são os que menos lêem livros. Os que moram
em grandes cidades quase não
brincam. E a quase totalidade deles ignora a prática de esportes coletivos e o uso do computador.
Essa gangorra é o retrato de
uma pesquisa inédita feita pelo
instituto Ipsos em dez países (entre eles Estados Unidos, Reino
Unido e China). Foram entrevistados 5.500 pais e responsáveis
por crianças e adolescentes de 2 a
17 anos. A pergunta: o que seus filhos fazem todos os dias?
No Brasil, 57% dos 500 entrevistados responderam que seus filhos assistem a TV durante pelo
menos três horas por dia e 31%,
de uma a duas horas. Só 5% falaram que seus filhos não vêem TV.
Os dados são mais conservadores que os do Ibope. Segundo o
instituto, os telespectadores de 4 a
17 anos passaram em setembro,
em média, quatro horas e 25 minutos por dia com a TV ligada.
Em contraponto à televisão,
43% dos pais brasileiros ouvidos
disseram que seus filhos não ocupam nada de seu tempo lendo livros ou brincando com os amigos; 79% disseram que seus herdeiros não praticam esportes coletivos; 69% afirmaram que eles
não usam computadores.
"O resultado é preocupante.
Quando há mais TV do que leitura, há um empobrecimento do
país. Não brincar também é perigoso. A criança que não brinca
não conversa, fica isolada", diz
Ana Bock, presidente eleita do
Conselho Federal de Psicologia
(CFP) e professora da PUC-SP.
Para Beth Carmona, presidente
da TVE (emissora educativa do
Rio de Janeiro), há um fator que
faz toda a diferença na análise
desses dados. "O tempo que as
crianças passam nas escolas nos
Estados Unidos e na Europa é de
até sete horas por dia. Aqui, não
passam mais do que quatro horas.
Logo, os brasileiros ficam mais
tempo em casa do que na escola,
provavelmente vendo televisão",
afirma Carmona, que também
coordena a ONG Midiativa.
O fato de a pesquisa da Ipsos ter
sido feita no Brasil apenas em
centros urbanos (São Paulo, Rio,
Belo Horizonte, Recife e Porto
Alegre), de acordo com Beth Carmona, explica a alta incidência de
crianças que não brincam com
amigos. Por trás disso, estaria o
medo da violência nas ruas.
Carmona responsabiliza parcialmente a política educacional
brasileira por esse panorama de
muita televisão e pouca leitura e
brincadeira. Mas não isenta a televisão. "A TV pode levar a criança
a conclusões distorcidas. A TV
mostra uma rua mais perigosa do
que ela é, e isso gera medo, neurose, violência. A influência da televisão no Brasil é muito séria. Nossas crianças são mais desinformadas. Na Europa, há uma tradição
de TV pública com programação
para criança mais elaborada."
Para Rodrigo Toni, diretor-geral do Ipsos no Brasil, a pesquisa
não permite afirmar que a TV
afasta a criança dos livros e das
brincadeiras. "Há muita televisão,
mas o que as afasta das outras atividades são a falta de hábito e os
ambientes educacional e familiar.
Os vilões são os próprios pais, que
não valorizam a leitura", diz.
Opinião parecida tem a psicóloga especializada em famílias Lidia
Aratangy: "Pais leitores têm mais
chances de ter filhos leitores simplesmente porque as crianças
percebem que aquele objeto deve
ser muito importante para prender a atenção de uma pessoa tão
importante". Ela recomenda também que os pais assistam à TV
juntos dos filhos, para transformá-los "de esponjas em filtros".
Segundo a psicóloga Ana Bock,
"o ideal é que se gaste tempo vendo TV e também lendo. A leitura é
ainda uma das ferramentas mais
ricas que temos. Nela, é você
quem faz o cenário, diferentemente do que ocorre com a TV".
De acordo com Bia Rosenberg,
gerente de produção da TV Cultura, a pesquisa retrata um aspecto cultural: "Já é uma tradição a
família brasileira assistir a muita
televisão. Isso não significa que
sejamos mais burros, mas que escolhemos o que é mais fácil".
Não é por acaso, portanto, que a
MTV não tenha tido retorno de
seu público-alvo (adolescentes e
jovens) de uma vinheta que exibe
há dois meses: "Desliga a TV e vai
ler um livro". "Recebemos muitas
felicitações de pais e professores",
conta José Wilson, diretor de
marketing do canal. Os adolescentes não se manifestaram.
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