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DVD/LANÇAMENTO
Dinamarquês ergue monumento à sua pretensão em filme que tem Nicole Kidman como protagonista
Von Trier aposta alto demais em "Dogville"
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Para os que ainda não viram,
o lançamento de "Dogville"
em DVD é mais uma chance de
conferir o polêmico filme de Lars
von Trier; para os que já viram,
também: afinal, a obra é daquelas
que chegam mais para confundir
do que para explicar.
A cada novo projeto, Trier se
impõe novas regras de jogo. A cada filme, tenta se equilibrar entre
a aplicação restrita dessas regras e
o livre fluir do jogo. Em "Os Idiotas", Trier esteve bem próximo
disso. Já em "Dogville", a aposta é
alta demais.
Uma forasteira, Grace (Nicole
Kidman), chega a uma cidade
americana, vive lua-de-mel com
os habitantes locais, mas, revelada
foragida da Justiça, logo passa a
ser escravizada e sodomizada por
estes. Trier flerta com a idéia de
encenar a xenofobia americana.
O problema é que, dada a proposição, lançadas as regras, Trier
não consegue ir muito longe. Nas
raras vezes em que soma alguma
invenção cênica ao modelo brechtiano de que parte, seu filme cresce, como na seqüência do Dia de
Ação de Graças. De resto, seus
personagens não saem do papel,
permanecem esboços de uma
dramaturgia ruim. Trier ergue,
em "Dogville", um monumento à
sua pretensão -imaginamos estar vendo uma alegoria antiamericana quando, na verdade, somos apenas testemunha da autocomplacência explícita do autor.
Monumento erguido por motivação das menos nobres: o cineasta queria responder àqueles
que o haviam criticado por realizar um filme ambientado na
América ("Dançando no Escuro") sem (supostamente) nunca
ter ido lá. Assumir o preconceito
foi uma resposta válida, mas preconceitos assim, como lembrou o
colunista da Ilustrada Contardo
Calligaris, a propósito de Trier,
costumam revelar muito mais sobre quem os perpetua.
A certa altura de "Dogville", a
crueldade exercida em Grace pela
comunidade passa a se confundir
com o tratamento de choque que
Trier costuma reservar às suas heroínas. Trier dá a impressão de
desprezar suas personagens e, por
extensão, as atrizes que as encarnam -não deve ser por acaso
que estas volta-e-meia se recusam
a com ele trabalhar de novo.
Dogville
Idem
Direção: Lars von Trier
Produção: Dinamarca/EUA, 2003
Com: Nicole Kidman, Paul Bettany
Distribuidora: Califórnia Home Video
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