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Crítica/teatro/"O Retorno ao Deserto"
Drama de Koltès diminui a distância entre França e Brasil
"O Retorno ao Deserto", com Sandra Corveloni, tem últimas exibições hoje e amanhã
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Destaque no 8º Festival
Internacional de São
José do Rio Preto e
uma espécie de anúncio do Ano
da França no Brasil, "O Retorno ao Deserto", de Bernard-Marie Koltès, pela Compagnie
Dramatique Parnas, dá mostras de uma nova postura nas
relações culturais entre Brasil e
Europa, ou o "aqui" e o "lá fora", como costuma dizer nossa
claustrofobia neocolonialista.
Dirigida por Catherine Marnas, o projeto rompe com a tradição catequética das luzes sobre a floresta tropical, que desde Louis Jouvet até Peter
Brook alimenta uma expectativa de aprendizagem com os
mestres estrangeiros. Discípula de Antoine Vitez, Marnas
busca um teatro atento em reverberar o contemporâneo, o
popular e o multinacional, mais
do que promover uma cartilha
de franceses consagrados.
Koltès já é bem conhecido no
Brasil, com bem-sucedidas
montagens de "A Solidão nos
Campos de Algodão", de Paulo
José, e "A Noite Antes da Floresta", de Francisco Medeiros.
"O Retorno ao Deserto", sua
penúltima peça, de 1988, toca
em uma ferida francesa, a má
consciência pela guerra da Argélia, que ainda não parou de
sangrar entre xenófobos e imigrantes nas periferias de Paris.
O espetáculo se ressente da
marca do teatro francês, que
costuma contar com um público escolado pelo texto, mas que
aqui parece longo e redundante, apesar da lírica retórica de
Koltès, parcialmente traduzido
por Angela Leite Lopes. Mas a
solução na manga de Marnas se
revelou particularmente eficaz:
o espetáculo é bilíngüe.
Inspirado talvez pelo conceito "artaudiano" do duplo, a
maioria dos personagens é desdobrada em dois, cada um falando seu idioma. Apresenta-se
assim a saga de Mathilde, que,
tendo sido denunciada como
colaboracionista dos alemães
pelo seu irmão Adrien (por interesses de herança), volta do
exílio na Argélia com os filhos
Fátima e Edouard para reocupar sua casa. Um conflito insolúvel, diante dos perplexos empregados Aziz e Madame
Queuleu, além de Mathieu, o filho mimado de Adrien, que
nunca pode sair de casa.
Não se imagine aqui franceses soprando seu espírito para
corpos brasileiros. Se, na dupla
de Mathieu, Davi Rosa tem um
desempenho carismaticamente caricatural nuançado pelo
melancólico Julien Duval, Gustavo Trestini e Olivier Pauls
compartilham a mesma visceralidade. Para Mathilde, é Benedicte Simon que fixa uma
máscara de escárnio atenuada
pela sutil elegância de Sandra
Corveloni (que recentemente
em Cannes ajudou a desfazer as
fronteiras anacrônicas entre o
aqui e o lá fora).
Assim, o tema de desenraizamento, das falsas armadilhas
da herança contra o estrangeiro, universaliza-se pela leitura
franco-brasileira. A guerra argelina nos é distante, mas o empregado de cor menosprezada
cuidando da nossa propriedade, não. Que o Ano da França
no Brasil, mais que uma catequese, possa continuar sendo
esse mobilizador compartilhamento de uma perplexidade.
O RETORNO AO DESERTO
Quando: hoje, às 21h, e amanhã (último dia), às 18h
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas,
141, tel. 0/xx/11/5080-3000)
Quanto: R$ 7,50 a R$ 30
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 12 anos
Avaliação: bom
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